quinta-feira, 10 de julho de 2014

...Entrevista a Nuno Canilho....



“Há o péssimo hábito de esperar que quem entra critique a liderança anterior”

Nuno Canilho é diretor da Escola Profissional Vasconcellos Lebre (EPVL), na Mealhada, desde outubro de 2013. A sua nomeação, aprovada por unanimidade na Câmara Municipal da Mealhada, foi sugerida por Rui Marqueiro, presidente da autarquia, ao qual o jovem, na altura com trinta e quatro anos, aceitou, assumindo a “responsabilidade” de um trabalho de vinte e dois anos, liderado por um único diretor, João Pega. Nesta entrevista, que foca diversos assuntos de interesse para escola, é feito o balanço do trabalho de nove meses.

Que vantagens tem um aluno e/ou um encarregado de educação em fazer uma inscrição na EPVL?
A primeira vantagem é a garantia de estar a ter formação numa área onde terá emprego praticamente assegurado. Depois, terá a vantagem de ter uma dupla certificação profissional e escolar, o que abre um conjunto de portas ao futuro do aluno, e que é muito significativo. Por outro lado, há a vantagem económica, uma vez que o ensino na EPVL é praticamente gratuito. Os alunos têm subsídio de transporte, almoçam na escola gratuitamente, têm uma bolsa de profissionalização para os estágios, bolsa de material escolar, um cartão de saúde com descontos significativos no Hospital da Misericórdia da Mealhada, e, em caso de necessidade, temos também a hipótese de oferecer alojamento aos alunos, com pequeno-almoço e jantar.

Que cursos se vão encontrar no próximo ano letivo de 2014-2015?
Temos autorização para no próximo ano letivo, abrir um curso vocacional de equivalência ao nono ano, na área da Hotelaria e Gestão, e um curso de Educação e Formação, para jovens que estando na iminência de fazer dezoito anos não tenham, ainda, o nono ano de escolaridade.
No nível IV, de dupla certificação e equivalência ao décimo segundo ano, temos autorização e estamos a receber inscrições para os cursos de Mecatrónica, Auxiliar de Saúde, Gestão de Equipamentos Informáticos e Restauração, variante Restaurante/Bar.

Nota-se que sublinha a expressão “temos autorização”…
Pois, sabe que infelizmente há escolas que têm publicidade com a indicação de que têm inscrições abertas para cursos profissionais e na verdade não têm autorização para abrir esses cursos. Algumas têm até a informação formal de que não vão poder abrir esses cursos. Daí o meu sublinhado, nós temos autorização para abrir todos os cursos que anunciamos.

Porque decidiu abrir estes cursos e não outros?
A escolha dos cursos a abrir em cada ano é feita depois de ouvirmos o mercado e as empresas da região. As empresas, a Câmara Municipal e outros parceiros, dão-nos sinais do que são as necessidades da região e, nesse seguimento, fazemos a escolha dos cursos em cada ano. Para falar em concreto, teremos o curso de Mecatrónica porque foi identificada pela ACIBA (Associação Comercial e Industrial da Beira e Aguieira) a necessidade de técnicos especializados na área da Mecânica, da Eletrónica, da Manutenção Industrial com conhecimentos em CNC (Comando Numérico Computorizado). Vamos abrir o curso de Auxiliar de Saúde porque no contacto com o Hospital da Misericórdia da Mealhada e de várias IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) no concelho da Mealhada, que estão a construir lares de idosos e centros de dia – como o Centro Social da Freguesia de Casal Comba ou o Jardim de Infância Dr.ª Odete Isabel –, foi reconhecida essa falta. Abrimos cursos para criar empregos em áreas mais carenciadas, e não para garantir empregos aos professores.

A EPVL teve, neste ano letivo, um destaque e boas classificações nos concursos a que se propôs. Recordo o “F1 Schools” e a boa classificação de Tiago Ferraz no Campeonato Nacional das Profissões. Fale-nos um pouco sobre estes casos e outros…
Tivemos um ano extraordinário a esse nível. Os nossos alunos, com o apoio de um corpo de professores extraordinário e empenhadíssimo, estiveram mobilizadíssimos e encheram-nos de orgulho. No “F1 in schools”, como disse, em quinze equipas na final regional, três eram da EPVL, ganhámos o prémio de “fair play”. Os alunos Alexandre Silva, Edgar Pimenta e Lukas Silva, com o apoio dos professores Paulo Relvas, Marlene Rolo e Cláudio Machado, desenvolveram uma App para “smartphones” que está na final nacional do prémio Ciência na Escola, da Fundação Ilídio Pinho, e ganhou a final concelhia do prémio de empreendedorismo na escola, da Comunidade Intermunicipal de Coimbra. Não ganhou a final regional, mas foi o único projeto a merecer o interesse de investidores. Ganhámos o segundo lugar na XVI edição nacional dos Jogos da Matemática. O nosso aluno Tiago Ferraz, do curso de Restaurante/Bar, brilhou no Campeonato Nacional das Profissões. Foi um ano em cheio.

O que é o Clube de Voluntariado da escola?
É um clube da escola, um grupo de alunos, professores e colaboradores que promove o voluntariado especialmente fora da escola. Foi criado neste ano letivo e começou logo por se disponibilizar à Câmara Municipal da Mealhada para colaborar com a Ação Social do Município. Tem participado nas tarefas regulares da Loja Social, tem apoiado as iniciativas dos encontros interinstitucionais e do Carnaval da Criança, por exemplo. E mobilizou-se de uma maneira espetacular no programa “Dou Mais Tempo à Vida”, da Liga Portuguesa Contra o Cancro, através do desenvolvimento da equipa Agilis – Em Prol da Vida Lutamos.
Este clube tem uma vertente de ação, através do trabalho concreto e no terreno, mas também na formação dos jovens, para a cidadania, para a solidariedade, mas também para o voluntariado, com a realização de conferências e palestras sobre este tema. 

Há ainda uma estratégia de internacionalização, dando seguimento a um trabalho iniciado por João Pega, antigo diretor. Isto é importante?
Acreditamos que a formação de um jovem português só é completa, útil e verdadeira se tiver uma componente internacional. Está na génese da portugalidade a necessidade dessa componente. A ligação à Europa e à Africa lusófona é, naturalmente, preferencial e é nesse sentido que temos um compromisso, já há vários anos. Por um lado através de projetos europeus, no âmbito do Programa “Comenius”, alguns deles premiados, e por outro lado, na vertente africana, na cooperação com o acolhimento de alunos – de Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Moçambique –, e no apoio à formação de professores, para isso temos protocolos com a Fundação Portugal-África, a Universidade Católica e o Governo Moçambicano, e ainda com o Governo da República de São Tomé e Príncipe e o Governo Regional do Príncipe. Temos, ainda, um protocolo de geminação com a Escola Profissional Domingos Sávio, em Inharrime, em Moçambique, com quem estamos a trabalhar de forma empenhada.

Considera a EPVL um exemplo para outras escolas? A que níveis?
A comparação preocupa-me pouco. Trabalhamos para a excelência, não para sermos melhores que as outras. Eu gostava muito que todas as escolas fossem como a EPVL. Um espaço agradável, com condições, com equipamentos, com um corpo de formadores empenhadíssimo, que apoia os alunos em todos os domínios, que se preocupa com cada um deles, onde as pessoas estão próximas e remam no mesmo sentido. Com colaboradores ativos e solidários.
É esse bom ambiente que traz o sucesso escolar, a superação de dificuldades, uma energia positiva, que se materializa na célebre frase dos antigos alunos de que esta escola é uma família. Temos dificuldades, defeitos, erros, falhas e angústias, mas estamos geralmente unidos para os resolver e superar.

A escola tem agora um Centro de Formação. O que isto é?
O Centro de Formação é uma estrutura da escola que proporciona formação a adultos, numa dupla modalidade. Por um lado organiza “workshops” que abre a toda a comunidade, sobre os mais variados temas. No ano passado fizemos “workshops” de culinária, de fotografia, de como falar em público, etc. Por outro lado organizamos formação profissional certificada para as empresas que precisarem. Uma empresa tem de dar formação aos seus colaboradores, define connosco a área, nós organizamos o curso, encontramos o formador, disponibilizamos as instalações e tratamos de toda a burocracia. Começámos já a trabalhar com a Câmara Municipal da Mealhada e com a Sociedade da Água de Luso, com ótimos resultados. Trata-se de uma nova valência da escola, que deixa a exclusividade da formação de jovens e se alarga aos ativos adultos e, especialmente, às empresas.

O que é o Cartão de Saúde EPVL e como funciona?
É uma parceria entre a Escola Profissional Vasconcellos Lebre e o Hospital da Misericórdia da Mealhada. Os nossos alunos, professores e colaboradores têm um cartão que lhes permite ter descontos no Hospital da Misericórdia da Mealhada, tanto na Urgência como nos exames ou nas consultas de especialidade.

É verdade que a escola vai ser a gestora do café/restaurante no Parque da Cidade da Mealhada, que nunca foi aberto ao público?
A Câmara Municipal da Mealhada decidiu na reunião de 7 de julho transformar a cafetaria do Parque da Cidade num espaço pedagógico onde a EPVL irá desenvolver as suas atividades formativas nas áreas da Restauração e da Hotelaria e Gestão. Trata-se de mais um desafio lançado pela autarquia, que não recusámos, e que permitirá utilizar um espaço fantástico da cidade da Mealhada, ao serviço de todos, com o grande benefício de contribuir para a formação profissional de jovens alunos da escola.

A 15 de julho faz nove meses de mandato como diretor geral da EPVL. Como encontrou a escola?
Encontrei-a bem gerida, com qualidade, e com a apreensão natural de todos os que assistem ao fim de um ciclo e ao chegar de um novo diretor-geral. Fui muito bem acolhido e senti-me logo em casa. Os problemas iniciais, quase a darem-me as boas-vindas, deram-me muita confiança fizeram-me sentir o apoio de todos.

O que mudou?
Serei talvez a única pessoa a quem essa pergunta não pode ser feita… Houve uma mudança de liderança e isso terá trazido, naturalmente, algumas mudanças, que não sei avaliar. Será uma boa questão a colocar aos alunos, professores e colaboradores.

Na altura da tomada de posse “dirigiu-se” aos alunos com a seguinte frase: “A escola em que se inscreveram há meses será a mesma onde vão concluir o ano letivo”. O que isto significa?
Acredito que a estabilidade é um dos valores maiores e mais importantes numa escola. Um diretor, mesmo quando quer reformar e mudar alguma coisa, deve procurar promover a máxima estabilidade junto da comunidade educativa – junto dos alunos, naturalmente, mas especialmente junto dos encarregados de educação e das pessoas que trabalham na escola. Essa frase foi a afirmação da minha parte de que iria procurar a estabilidade máxima, a tranquilidade máxima na transição que iria decorrer nos meses seguintes. E acho que conseguimos.

O seu mandato iniciou com liderança bicéfala, pois o anterior diretor, João Pega, continuou na escola a apoia-lo nesta transição. Volvidos nove meses, que avaliação faz desta opção?
Não estamos habituados a transições pacíficas nas instituições. Há o péssimo hábito de esperar que quem entra critique a liderança anterior, e quem sai espera que “quem atrás virá de mim bom fará!”. Eu e o engenheiro João Pega conseguimos contrariar essa ideia e acho que fizemos escola nesse sentido. Tenho muita estima pelo engenheiro João Pega. É um bom amigo, que aceitou este desafio de liderança bicéfala na transição, ensinando-me, passando-me os dossiers, dando-me testemunho dos antecedentes subjacentes a cada decisão, e, acima de tudo, respeitando e apoiando as minhas decisões, especialmente aquelas em que não estávamos de acordo.
O engenheiro João Pega é um pedagogo, um educador, um homem empenhadíssimo, a quem a Mealhada ainda não deu todo o valor e homenagem. Para mim, nestes últimos meses foi um mestre e um pai, que nunca esquecerei.
Acredito, em jeito de avaliação, que estes oito meses e meio de transição foram bons e muito importantes para a escola e servirão como exemplo de boa prática na sucessão dentro das instituições.

Dois meses após a tomada de posse na EPVL foi “colocado à prova” com uma situação menos agradável, como a da alienação de capital por parte da autarquia. Foi fácil ultrapassar o problema?
Teria sido mais difícil se não tivesse havido um sentido de liderança, de rasgo e de coragem do presidente da Câmara Municipal da Mealhada, doutor Rui Marqueiro, aliada à solidariedade dos vereadores, da Assembleia Municipal e do presidente da Caixa de Crédito Agrícola. Acho que é nos momentos difíceis que se vê a fibra das pessoas e o presidente da Câmara mostrou-se à altura dos acontecimentos.
Foi um problema que se nos deparou, que nos apanhou de surpresa, na medida em que não estávamos a par do problema e das consequências que o adiamento de uma tomada de decisão estava a provocar. Mas acho que estivemos, todos – autarcas, o presidente da Caixa Agrícola e os novos sócios –, à altura dos acontecimentos, sem medo para tomar decisões, especialmente quando são difíceis. Sublinho, no entanto, por justiça, a liderança e a coragem do doutor Marqueiro.

O que sentiu quando Rui Marqueiro, a poucos dias de tomar posse como presidente da Câmara da Mealhada, o convidou para dirigir a EPVL, que apenas teve um diretor durante vinte e dois anos?
O doutor Marqueiro é um velho amigo da família, por quem nutro muito respeito, mas nunca pensei que me lançasse este desafio a mim, especialmente a mim. Acho que mostrou coragem ao fazê-lo e, até por isso, a minha resposta não podia deixar de ser adequada e afirmativa. Senti o peso de uma grande responsabilidade, mas acima de tudo a oportunidade de fazer a diferença e de embarcar num enorme desafio. Senti o apoio do presidente da Caixa de Crédito Agrícola, o outro sócio da escola, e do diretor a quem eu iria suceder, e isso encheu-me de entusiasmo.

Entrevista de Mónica Sofia Lopes publicada no quinzenário Jornal da Mealhada, número 923, de 9 de julho de 2014.

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