domingo, 9 de março de 2014

...Catarina Matos faz humor no Brasil...



Catarina Alexandra Cruz Matos, de trinta e quatro anos, natural da Mealhada, conhecida na Bairrada por “Katy”, licenciou-se em Psicologia e trabalhou nas melhores agências publicitárias portuguesas, mas foi fora do país, mais concretamente no Brasil, que realizou o seu maior sonho: fazer “Stand up comedy”. De passagem por Portugal, falámos com a jovem, que teve “tempo de antena” em quase todos os meios de comunicação social do país e subiu ao palco do Teatro Villaret, em Lisboa.

Quando é que Catarina Matos, conhecida por muitos pela “Katy”, sai da Mealhada?
Foi com algum nervosismo que sai do colinho da mãe para ir para a faculdade. Primeiro fui para Coimbra estudar História, porque não tinha entrado em Psicologia nessa cidade, mas não posso mentir, o meu sonho era ir viver para Lisboa, para junto da minha irmã, Carla Matos (o meu exemplo de vida).
Passado um ano a estudar em Coimbra, os meus pais salvaram o meu percurso académico e deram-me dois presentes, que conseguiram com grande esforço económico: mudei-me para Lisboa onde cursei Psicologia.
Nos primeiros anos passei todos os fins-de-semana na Mealhada, fazia parte do meu bem-estar.

Passou grande parte da vida em Lisboa. Trabalhou dez anos ligada à área da publicidade. Conte-nos esta experiência…
No último ano da faculdade foram captadas pessoas de várias faculdades do país para irem estagiar na maior agência de publicidade portuguesa dessa altura, a BBDO Portugal. Eram mais de seiscentos candidatos para nove vagas e, depois de muitos testes psicotécnicos e entrevistas, fui uma das escolhidas. Foi uma das coisas mais difíceis e surpreendentes que alcancei na vida.

De repente vai para o Brasil. Quando foi isso, como e porque aconteceu?
Quando continuei na vida de Criativa, publicitária, passei por várias agências. Na BBDO fui criativa externa de uma agência de Londres chamada BBH e depois fui para a DDB Lisboa. Mais tarde, entrei na “Grand Union” onde também fui “Social Media Creative”.
Um dia eu e o meu marido recebemos a notícia de que a empresa onde ele era diretor criativo teria de dispensá-lo por motivos da supracitada crise. Durante uns dias receámos ficar sem nada. As outras agências não tinham vagas e resolvemos procurar fora do país.
Do Brasil veio a salvação, na forma de um convite para uma grande agência em São Paulo. Nós não fomos porque quisemos, nós tivemos mesmo de ir. E agora que olhamos par trás, foi o melhor que nos podia ter acontecido.

O “stand up comedy” surge no Brasil? Já era uma paixão? Como é que tudo aconteceu?
Já em Portugal tinha escrito para programas de humor e tinha vontade de o fazer há muitos anos, mas o país não me parecia um palco, nem confortável nem preparado, para isso. Sempre estudei muitos “Stand up comedians” de outros países e acho que tem tudo a ver com o estágio (e estado) evolutivo em que a sociedade se encontra.
Uma semana antes de embarcar para São Paulo contactei um humorista, que admirava há uns anos, Daniel Duncan, que me marcou uma performance para iniciantes num teatro. Assim que cheguei, passados cinco dias, atuei logo e convidaram-me para voltar no dia seguinte. Foi assim que entrei para o meio humorístico brasileiro, onde fiz amigos e onde aprendi com os melhores da escrita, do teatro, humor e do improviso.

Agora essa é a sua profissão?
Felizmente no Brasil podemos viver dela. Penso que em Portugal ainda é complicado e os casos são raros. Mas sim, é com grande incredulidade e felicidade que digo que sou humorista e atriz nas horas vagas. É um sonho tornado realidade.

Neste momento, está em Portugal porquê?
Vim a Portugal visitar a minha família e para me dar a conhecer ao meu país. Já havia pessoas que me conheciam, há uns anos, e que me encorajavam a iniciar esta carreira e quando souberam que eu vinha, convidaram-me para fazer parte dos espetáculos que tinham em cartaz, como por exemplo, o Overdose, que se realizou no dia 22 de janeiro, no Villaret. Esgotou e foi recorde de bilheteira. Os meus anfitriões Rui Cruz e Paulo Almeida, juntamente com a Ponto Final Produções, ofereceram-me a realização de um sonho antigo que era atuar no meu país. Às vezes tenho de me beliscar para acreditar que isto está a acontecer.

Uma rádio nacional, por onde passou, garante que a Catarina Matos é “a única humorista portuguesa no Brasil”. É verdade?
Sim, mesmo aqui em Portugal não há muitas mulheres no humor e assim é pelo mundo... Por exemplo, em Brasília, também sou a única mulher! Não posso mentir: tem as suas vantagens, mas eu gostaria muito de ver mais mulheres a fazer humor. 

Que diferenças vê no humor português vs brasileiro?
Os brasileiros são comunicadores natos e isso traduz-se numa linguagem que, por si só, é mais relaxada e mais engraçada. A nossa fonética é um pouco mais agressiva a nível sonora, a dos brasileiros acaba por ser mais "cantada". As palavras que eles empregam tornam uma frase normal numa frase hilariante.
Também me parece que a sociedade brasileira está um pouco mais predisposta a rir. Eles têm o hábito de sair de casa, seja a que dia for, e ir esgotar teatros e bares para ver “Stand up”. Na televisão e na internet há programas de muito boa qualidade.

Para além de, neste momento, a sua vida profissional estar ligada à comédia, ao sorrir e fazer rir, o que mais lhe dá felicidade na vida?
É ler o que lhe disse nesta entrevista e ter a noção que tive coragem, vontade e quem me apoiasse para que esta história esteja a dar certo. O meu marido, a minha sobrinha e a minha família parece que sempre souberam que um dia isto poderia tornar-se realidade.
Tenho amigos que me dizem, hoje em dia, "eu já sabia!", porque sentiam o meu desejo. Se isto não é ser feliz, viver num círculo assim, não sei o que será. Para mim está perfeito!

Tenciona voltar para Portugal ou, nos próximos anos, estará do outro lado do atlântico?
Penso que proximamente voltarei, mais vezes, em trabalho. Estou a estudar umas propostas com agentes que me querem trazer a Portugal com mais frequência. Estou muito feliz por isso. Voltar para viver, por enquanto, ainda não, porque entretanto estou com um elenco fixo numa “Choperia” (um bar de cerveja) onde tenho um espectáculo todas as segundas-feiras com um projecto chamado “Imperium Comedy Club”. Para além de peças e oficinas de teatro posso dizer que tenho lá a vida profissional muito movimentada.
Quando em Portugal for possível ter isto tudo é uma hipótese que não está descartada, até porque adoraria trazer para cá o respeito incrível com que esta profissão é tratada no Brasil.

Neste vasto e alucinante percurso de vida, onde fica a Mealhada?
A Mealhada sou eu. É o único lugar do planeta onde olho em volta e estou rodeada de pessoas que andaram comigo ao colo, que me conhecem desde sempre, que correram comigo nas noites quentes de verão pelo Jardim. Sabem quem eu sou e sabem que, se mudei, foi para melhor.
Uma das melhores coisas que me aconteceu, desde que cheguei a Lisboa, foi um grupo de amigos do meu coração, que vieram de Anadia para me ver atuar no Villaret! A pessoa pode sair da Bairrada, mas a Bairrada não sai da pessoa.
Nos primeiros meses de me mudar para outro país senti uma dor muito grande porque o meu país está nestas condições, por causa de fracas escolhas económicas e políticas que me afetaram para sempre. Vi amigos terem de vender o carro para conseguirem sustentar os filhos. Mas hoje já estou mais em paz com esta questão. A revolta deu lugar a querer fazer parte da solução.
Quando penso na minha terra, penso começar por ela, nem que seja, começar por fazê-la sorrir comigo.

Entrevista de Mónica Sofia Lopes publicada no quinzenário Jornal da Mealhada, número 913, de 19 de fevereiro de 2014.

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