terça-feira, 18 de setembro de 2012

...Maus cheiros na cidade da Mealhada...



A revolta de utentes, de técnicos de saúde, de autarcas e de condóminos...

O cheiro também tinha chegado à redacção do Jornal da Mealhada, mas, a partir do momento em que se avolumaram as queixas por parte de leitores... e não só, o assunto tratou-se motivo de reportagem. Há alguns dias que o problema se intensificava. Na tarde de sábado, 7 de Junho, no entanto, era mais difícil transitar pelas ruas da cidade da Mealhada sem pensar poder estar-se no meio de uma estrebaria. E continuou pelo início da semana. O cheiro que se fazia sentir, proveniente de excrementos animais, resultava do processo de fertilização de terrenos agrícolas. E aí surge a pergunta: Haverá legitimidade para, em nome da agricultura, proporcionar um tempo de agonia aos moradores da cidade? Os responsáveis pelo Hospital da Misericórdia da Mealhada (HMM) e pelo Centro de Saúde da Mealhada, assim como os moradores dos lotes da Quinta dos Coutos, por exemplo, têm pronta resposta à questão. Dizem-se os mais lesados com os maus cheiros que, ciclicamente, se fazem sentir e se agravam quando chega o calor.
“Desde sexta-feira que este cheiro tem sido intenso e é horrível. Hoje (segunda-feira, 9 de Junho) está, novamente, a ser insuportável”, afirmou Adelaide Capelão, a própria Delegada de Saúde do Concelho da Mealhada, que enquanto falava com a repórter do Jornal da Mealhada, no Centro de Saúde da Mealhada. Juntas, delegada e repórter, avistavam, perto, nas traseiras do edifício do Centro de Saúde, a origem do mau cheiro... num tractor a espalhar dejectos pelo terreno agrícola.
A delegada de saúde continuou: “Não podemos fazer nada porque, ao que parece, os responsáveis destas cultivações estão a cumprir a legislação ao colocarem o estrume. Apesar disso, vamos telefonar para a Guarda Nacional Republicana, para a Brigada do Ambiente e denunciar a situação”.
Na sala de espera do Centro de Saúde, na manhã dessa segunda-feira, os utentes chegavam, mesmo, a utilizar lenços para tapar o nariz e a boca para puderem estar naquele local. “Isto é uma vergonha! Colocam leis do tabaco por causa dos fumos e dos maus cheiros e depois permitem que as pessoas estrumem as suas terras desta maneira. Primeiro eram os cheiros da pocilga da Antes, depois da Fábrica Alcides Branco, na Vacariça, e agora isto. É tempo de o presidente da Câmara Municipal da Mealhada fazer alguma coisa. Não é no Verão que se deve estrumar a terra, tem que se ter o cuidado de fazer isso quando não há tanto calor”, lamentou Rogério Gomes, residente na Vimieira, enquanto esperava ser atendido pelo médico de família.
Na tarde de segunda-feira, também Luís Oliveira, director clínico do HMM, alertando para os perigos que tudo isto pode causar nos utentes da instituição, mostrou à repórter do Jornal da Mealhada, uma carta que tinha enviado, nesse dia, à Brigada do Ambiente, da Guarda Nacional Republicana (GNR) da Mealhada, intitulada “Cheiro a excrementos no Hospital da Mealhada”. Na carta podia ler-se: “Desde há alguns dias que se faz sentir cheiro nauseabundo a detritos orgânicos, excrementos, que são lançados para os terrenos sitos na rectaguarda do Hospital e Centro de Saúde, que penetra nos corredores do hospital e se impregna no vestuário, transmitindo um odor fétido que contamina os domicílios”. O director clínico, na carta, alertava, ainda: “Porque os doentes aqui internados no hospital e os residentes no lar, bem como os utentes do Centro de Saúde, não têm alternativa para mudarem de local, porque este tipo de cheiros provém de materiais com matérias orgânicas prejudiciais à saúde, porque é indicador de contaminação microbiológica, não devendo ser utilizado na proximidade de aglomerados urbanos, quanto mais de instalações de saúde. Estamos no século XXI, pertencemos à União Europeia, temos entidades zelosas para fazer acabar com métodos arcaicos de produção alimentar e artesanal, para proteger a saúde pública. Não teremos meios de protecção ambiental, capazes de verificar as ocorrências e de actuar coerciva e preventivamente?”.
Nuno Pestana , da empresa Soluções e Condomínio,  porta-voz dos moradores dos lotes 4 e 9 da Quinta dos Coutos, declarou: “Temos tido imensas queixas da parte dos condóminos, devido aos maus cheiros dos fertilizantes naturais. É uma situação intolerável, mas que foge ao nosso controlo. Gostávamos que este problema se resolvesse, com alguma brevidade”.
“Não sou especialista em problemas do meio ambiente, mas lá que cheira mal, cheira!”, começou por dizer José Felgueiras, presidente da Junta de Freguesia da Mealhada, quando confrontado com este problema. José Felgueiras disse, ainda: “Na passada sexta-feira, encontrava-me ao serviço da Junta, na Quinta da Tapada, e em conversa com um morador sobre os maus cheiros, apercebi-me de que as terras continuam a ser fertilizadas com matérias provenientes da exploração animal. Seguidamente, e enquanto ali estava, passava um tractor que fresava as terras amenizando assim os maus cheiros que se faziam sentir. Interroguei-me: Será este procedimento legal? Se é, e estando a exploração superiormente licenciada, continuo a perguntar: Onde está a solução?”.
Contactado pelo Jornal da Mealhada, Carlos Cabral, presidente da Câmara Municipal da Mealhada, afirmou: “Infelizmente, os maus cheiros são uma realidade e toda a gente sabe de onde provêm. Contudo, friso que autarquia é também uma mera denunciante e estas questões ambientais não são da sua competência. Eu também sinto o cheiro e a mim também me incomoda bastante”.
Na carta enviada à Brigada do Ambiente da GNR da Mealhada, pelo director clínico do HMM, ainda podia ler-se no final: “Não me venham dizer que a legislação não contempla estas situações. Trata-se de uma questão de bom senso e de saúde pública. Gostariam vossas excelências de estar numa cama de hospital ou de ter um familiar num quarto de uma residência de terceira idade, e suportarem a pestilência dos cheiros que aqui temos?".
E dizia ainda: "Não será a pressa de um arado para tentar cobrir o esterco espalhado que vai colmatar e fazer esquecer a falta de sensibilidade de quem o fez, só nele pensando, ano após ano, sem se preocupar com uma alternativa, espalhando pelos outros aquilo que já nem sente”.
Segundo o Jornal da Mealhada pode apurar, na manhã de segunda-feira, agentes da Brigada do Ambiente da GNR da Mealhada estiveram no local de onde, alegadamente, provém o mau cheiro. Contudo, nada fizeram porque a lei permite aos agricultores este tipo de procedimentos: que espalhem o estrume e lavrem o terreno, algum tempo depois. “Os agentes disseram que o azar que se está a ter é o facto de estar calor e um pouco de vento espalha o cheiro por muitos sítios e mais facilmente”, afirmou ao Jornal da Mealhada, um cidadão que assistiu à visita, mas que não quis identificar-se. Também José Felgueiras garantiu: “Na segunda-feira, recebi um telefonema para me deslocar à Quinta da Tapada para resolver uma situação e, acidentalmente, encontrei lá o proprietário da pocilga, que me assegurou que lá tinha estado, nessa manhã, um agente ligado ao ambiente, a fim de verificar a situação. Contudo, garantiu-lhe que tudo estava a ser feito correctamente. Para terminar, pergunto: e agora?”.

                                                               Mónica Sofia Lopes

Texto publicado na edição impressa do Jornal da Mealhada de 11 de junho de 2008.

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