sábado, 29 de setembro de 2012

...Jogo da Roda na Mealhada...



Para aliciar, quando a bolha rebenta, futuros jogadores são convidados a contar o dinheiro...

O jogo da bola, da roda ou da bolha, os nomes são variados, tem sido assunto de telejornais, capa de revistas e, nos últimos dias, assunto recorrente na mesa dos cafés. Também no concelho da Mealhada são muitos aqueles que quiseram experimentar e que, por saturação do próprio jogo, já se sentem prejudicados. Há rodas estagnadas há algum tempo e os 'passageiros' estão a perder as esperanças. Há rodas de mil, dois mil, dez mil euros ou apenas de duzentos e cinquenta euros, o que interessa é movimentar dinheiro e arranjar participantes que façam as rodas “rebentar”. E nem interessa a idade dos participantes. Há rodas de pais, há rodas de filhos, umas de dez mil euros, outras de duzentos e cinquenta. Há ainda rodas nas escolas ou nas reuniões de amigos de altas classes sociais...
O esquema do jogo é simples: para participar na roda é preciso entrar com determinada quantia, em dinheiro, que se entrega a quem está no centro da bola. Essa pessoa sai da bola e os restantes passageiros (participantes no jogo) seguem o esquema, dividem-se em dois grupos, e quem estava a seguir passa para o centro da bola e recebe o dinheiro de quem entra.
Apesar de ter o nome e de seguir um esquema de formato redondo, o jogo não passa de uma pirâmide, em que o elemento que se encontra no topo recebe o dinheiro de todos aqueles que estão abaixo dele. Apenas se paga quando a roda é fechada, ou seja, quando tem oito passageiros, mas também só recebe aquele que sai, aquele que estava no topo da pirâmide. O jogo torna-se aliciante porque se baseia na confiança, na capacidade de persuasão, na aventura do risco e no desejo de ganhar muito dinheiro, em pouco tempo e investindo baixa quantia.
“Entrei porque acho que é uma boa forma de conseguir algum dinheiro para as férias”, afirmou, ao Jornal da Mealhada, um passageiro deste jogo, na Mealhada. “Agora que o jogo começou a ter visibilidade na comunicação social  as rodas estagnaram e tenho a certeza que há centenas de rodas que vão parar, porque as pessoas têm medo de investir, correndo o risco de perder dinheiro”, acrescentou.
São muitos também aqueles que são aliciados a entrar neste jogo. “Quando se fala neste jogo, muitas são as pessoas que, apesar de não terem intenção de fazer parte dele, têm a curiosidade de ver como funciona e de ver quem faz parte dele, basicamente, de terem noção de como tudo se processa”, disse um residente no concelho da Mealhada, que já foi aliciado inúmeras vezes por elementos de rodas. “Penso que quando se vai assistir a uma reunião com a intenção de apenas se observar, já se comete um grave erro. Tenho conhecimento de algumas pessoas que entraram no jogo, pelo facto de terem ido assistir a uma reunião, num dia em que rebentou uma roda, ou seja, o participante que estava no topo recebeu todo o dinheiro. Era uma roda de dez mil euros, logo, o jogador recebeu, em dinheiro, oitenta mil euros. Quem foi assistir a essa sessão foi convidado a contar todo esse dinheiro. Parece uma boa forma de aliciar, não é?”, acrescentou.
O jogo tornou-se, por todo o lado, num negócio da China para os jogadores mais antigos e que estavam inseridos em rodas há muito tempo, mas está a tornar-se um risco sério para os passageiros mais recentes, que vêm as rodas paradas há algumas semanas. Caso não se movimentem, são muitos aqueles que perdem todo o dinheiro investido. “Numa localidade como a Mealhada, em que existem várias rodas, começa a haver problemas, porque o jogo fica saturado muito mais rapidamente. Depois também há o problema de todos se conhecerem uns aos outros e começarem a falar das rodas uns dos outros. É isso que está acontecer”, explicou um dos participantes.
As reuniões, com o intuito de angariar mais jogadores, podem ser feitas em qualquer lugar, desde discotecas, passando por bares e cafés, até aos locais de trabalho. “O sítio nunca é igual, mesmo quando falamos da mesma roda. Os encontros são sempre definidos no dia em que os elementos tencionam encontrar-se. Quando é dia de rebentar a bolha, quem, normalmente, marca, é quem vai sair do jogo”, garantiu um residente da Mealhada, que tem sido sistematicamente aliciado para entrar no jogo.
Os encontros são marcados só em último caso e o assunto fala-se através de código. “Apenas se marcam reuniões para apresentar novos jogadores, falar da angariação de novos jogadores ou quando a roda estoira e alguém vai sair vencedor. Agora os encontros são mais esporádicos e mesmo as conversas telefónicas já começam a ser escassas. Os jogadores começam a ter medo”, explicou o jogador com quem falámos.
“Há pessoas na Mealhada que já ganharam muito dinheiro com o jogo”, afirmou uma das pessoas com quem falámos. E porque é que, aparentemente, nada mudou no tipo de vida dessas pessoas, perguntámos. “Porque, de repente, não podem aparecer com carros ou casa novas ou seja lá o que for. Se houver uma denúncia da parte das Finanças, descobre-se que os rendimentos dessas pessoas não são compatíveis com os imóveis que adquiriram, recentemente”, respondeu.
Apesar de a legislação portuguesa proibir as vendas com recurso a esquemas de pirâmide, neste caso, a lei não se pode aplicar porque não existe qualquer compra ou venda de produto ou de serviços, apenas os participantes deveriam declarar às Finanças todos os rendimentos dos quais são possuidores. Sobre isto e contactado pelo Jornal da Mealhada, o capitão Paulo Serra, do Destacamento da Guarda Nacional Republicana de Anadia, afirmou: “Segundo vi, numa reportagem televisiva, o jogo parece-me legal. A única ilegalidade prende-se com o facto do jogador que recebe o dinheiro não o declarar. Contudo, do concelho da Mealhada e de concelhos limítrofes, não tive conhecimento nenhum de que o jogo esteja a funcionar”.

Mónica Sofia Lopes

Reportagem publicada na edição impressa do Jornal da Mealhada de 9 de julho de 2008.

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