domingo, 13 de agosto de 2017

...descrever um lado do incêndio que vivi ontem em Barcouço...




O senhor José tem uma casa na Rua do Cortiço, em Barcouço.
Foi lá que cheguei (em serviço jornalístico) cerca das 19 horas da tarde de sábado, dia 12 de agosto de 2017.
A casa do senhor José tinha, até ontem, uma vista privilegiada sobre uma zona florestal de milhares de hectares. É no seu terraço que junta os amigos e por ali permanecem durante horas a contemplar a calmaria de toda a imensão florestal.
Quando lá cheguei o fogo estava longe.... via-se longe, mas ninguém tinha dúvidas que ali ia chegar, junto das casas.... as chamas moíam, consumiam os terrenos, literalmente, por todo o lado, ao sabor dos ventos...
Eram dezenas os populares que estavam no terreno da casa do senhor José a assistir, impotentes, ao que ia acontecendo.
Fui mantendo uma conversa com o senhor José.... a casa, e que bela vista tinha a casa até ontem, era literalmente "um sonho de menino".
Era para aqueles terrenos que ia em pequeno e, quando já em grande quis construir casa, fez de tudo para que a construção fosse naquele sítio. E conseguiu que "a vontade de criança" fosse agora uma realidade...
O senhor José nota-se ser uma pessoa calma.... assistia ao que estava acontecer à volta da sua casa, aparentemente tranquilo, ora atendendo as dezenas de chamadas dos seus amigos que viam o que estava acontecer pela televisão, ora falando comigo sobre coisas banais da vida. Talvez uma forma de ir controlando um "nervoso miudinho", que acredito que começava a dar de si, ao longo dos minutos em que as chamas consumiam toda uma encosta de parte da zona central de Barcouço.

Ao fim de uma hora, era mais do que certo que as chamas iam chegar à porta das casas e a primeira era a do senhor José...

O cenário que se viveu ali, em minutos (não me enganei... foram minutos, não segundos), foi, é e será indescritível... de repente as chamas com a sua força natural aliadas ao vento, transportaram dezenas de pessoas que ali estavam para um autêntico filme de terror com as chamas, o calor e fagulhas a passarem por cima de nós.
Não havia volta a dar... agora era correr: não haverá força de mangueira que resista à força do fogo a que assisti ontem.... Essa ideia ninguém nunca mais me vai tirar da cabeça!
Enquanto saía dali, ainda ouvi o senhor José proferir qualquer coisa como: "a minha casa....". Disse-lhe para confiar nos bombeiros, que tudo ia correr bem.
Mas senti-me mal ao dizê-lo. Não acreditei no que estava a dizer! (Não pelos Bombeiros, claro, mas porque os Bombeiros - da corporação da Mealhada - que ali estavam era demasiado "pequenos" para tamanha dimensão do monstro que ali tinhamos)....

Já a alguns metros de distância, não controlei as lágrimas... desculpem-me todos os vizinhos, mas só me vinha à cabeça a casa do senhor José.... via pedaços de chamas em cima do telhado e imaginava que dali só podia sair um desfecho triste... a mim não me saia (não saia, aliás) da cabeça a conversa que tive durante breves (longos) minutos com o senhor José....
As chamas consumiram fortemente tudo o que era vegetação e o que ia passar a seguir só dependia do vento... um vento que foi favorável ao que acabou por acontecer às habitações da Rua do Cortiço, em Barcouço.

Ainda em chamas, mas já a consumir parte da vegetação mais afastada das casas, voltei para trás e fui ver a casa do senhor José.... e lá estava ele, já de camisa aberta, todo encharcado e com uma imagem bem diferente da que tínhamos visto há cerca de duas horas... veio ter comigo, com o ar simpático que o caracteriza (vivi de perto um dos momentos certamente mais terríveis da vida deste Homem, o que me fará garantir que a simpatia será certamente uma das suas maiores características) e disse-me: "Isto esteve mesmo aqui em cima...E olhe, afinal em Grada, disseram-me agora, também ficou tudo calmo...".

Meu Deus. Como é que alguém que acabou de viver o que o senhor José viveu ainda me tenta dar informações precisas do que está acontecer noutras localidades da freguesia?
Toquei-lhe no braço e acho que não lhe consegui dizer nada de jeito ou nada que o tenha confortado, aliviado numa hora daquelas.... acho que ainda lhe confessei que vim ali só para ter a certeza que a casa dele estava fora de perigo.
Despedi-me, enquanto ele se afastava para ir ajudar outras habitações para onde o fogo se dirigia, mas ainda o vi a levantar um vaso do seu terreno que tinha tombado no meio de todo aquele cenário... Um gesto que me esperançou de que tudo ia ficar bem. E ficou.... pelo menos no que toca a pessoas e bens....

Em relação à paisagem da casa do senhor José, essa jamais será igual, pelo menos durante uns anos valentes...

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