A revolta de utentes, de técnicos de saúde, de autarcas e de condóminos...
O cheiro também tinha chegado à redacção do Jornal da
Mealhada, mas, a partir do momento em que se avolumaram
as queixas por parte de leitores... e não só, o assunto tratou-se motivo de
reportagem. Há alguns dias que o problema se intensificava. Na tarde de sábado,
7 de Junho, no entanto, era mais difícil transitar pelas ruas da cidade da
Mealhada sem pensar poder estar-se no meio de uma estrebaria. E continuou pelo
início da semana. O cheiro que se fazia sentir, proveniente de excrementos
animais, resultava do processo de fertilização de terrenos agrícolas. E aí
surge a pergunta: Haverá legitimidade para, em nome da agricultura,
proporcionar um tempo de agonia aos moradores da cidade? Os responsáveis pelo
Hospital da Misericórdia da Mealhada (HMM) e pelo Centro de Saúde da Mealhada,
assim como os moradores dos lotes da Quinta dos Coutos, por exemplo, têm pronta
resposta à questão. Dizem-se os mais lesados com os maus cheiros que,
ciclicamente, se fazem sentir e se agravam quando chega o calor.
“Desde sexta-feira que este cheiro tem sido intenso e é
horrível. Hoje (segunda-feira, 9 de Junho) está, novamente, a ser insuportável”,
afirmou Adelaide Capelão, a própria Delegada de Saúde do Concelho da Mealhada,
que enquanto falava com a repórter do Jornal da Mealhada, no Centro de Saúde da
Mealhada. Juntas, delegada e repórter, avistavam, perto, nas traseiras do
edifício do Centro de Saúde, a origem do mau cheiro... num tractor a espalhar
dejectos pelo terreno agrícola.
A delegada de saúde continuou: “Não podemos fazer nada
porque, ao que parece, os responsáveis destas cultivações estão a cumprir a
legislação ao colocarem o estrume. Apesar disso, vamos telefonar para a Guarda
Nacional Republicana, para a Brigada do Ambiente e denunciar a situação”.
Na sala de espera do Centro de Saúde, na manhã dessa
segunda-feira, os utentes chegavam, mesmo, a utilizar lenços para tapar o nariz
e a boca para puderem estar naquele local. “Isto é uma vergonha! Colocam leis
do tabaco por causa dos fumos e dos maus cheiros e depois permitem que as
pessoas estrumem as suas terras desta maneira. Primeiro eram os cheiros da
pocilga da Antes, depois da Fábrica Alcides Branco, na Vacariça, e agora isto.
É tempo de o presidente da Câmara Municipal da Mealhada fazer alguma coisa. Não
é no Verão que se deve estrumar a terra, tem que se ter o cuidado de fazer isso
quando não há tanto calor”, lamentou Rogério Gomes, residente na Vimieira,
enquanto esperava ser atendido pelo médico de família.
Na tarde de segunda-feira, também Luís Oliveira, director
clínico do HMM, alertando para os perigos que tudo isto pode causar nos utentes
da instituição, mostrou à repórter do Jornal da Mealhada, uma carta que tinha
enviado, nesse dia, à Brigada do Ambiente, da Guarda Nacional Republicana (GNR)
da Mealhada, intitulada “Cheiro a excrementos no Hospital da Mealhada”. Na
carta podia ler-se: “Desde há alguns dias que se faz sentir cheiro nauseabundo
a detritos orgânicos, excrementos, que são lançados para os terrenos sitos na
rectaguarda do Hospital e Centro de Saúde, que penetra nos corredores do
hospital e se impregna no vestuário, transmitindo um odor fétido que contamina
os domicílios”. O director clínico, na carta, alertava, ainda: “Porque os
doentes aqui internados no hospital e os residentes no lar, bem como os utentes
do Centro de Saúde, não têm alternativa para mudarem de local, porque este tipo
de cheiros provém de materiais com matérias orgânicas prejudiciais à saúde,
porque é indicador de contaminação microbiológica, não devendo ser utilizado na
proximidade de aglomerados urbanos, quanto mais de instalações de saúde.
Estamos no século XXI, pertencemos à União Europeia, temos entidades zelosas
para fazer acabar com métodos arcaicos de produção alimentar e artesanal, para
proteger a saúde pública. Não teremos meios de protecção ambiental, capazes de
verificar as ocorrências e de actuar coerciva e preventivamente?”.
Nuno Pestana , da empresa Soluções e Condomínio, porta-voz dos moradores dos lotes 4 e 9 da
Quinta dos Coutos, declarou: “Temos tido imensas queixas da parte dos
condóminos, devido aos maus cheiros dos fertilizantes naturais. É uma situação
intolerável, mas que foge ao nosso controlo. Gostávamos que este problema se
resolvesse, com alguma brevidade”.
“Não sou especialista em problemas do meio ambiente, mas lá
que cheira mal, cheira!”, começou por dizer José Felgueiras, presidente da
Junta de Freguesia da Mealhada, quando confrontado com este problema. José
Felgueiras disse, ainda: “Na passada sexta-feira, encontrava-me ao serviço da
Junta, na Quinta da Tapada, e em conversa com um morador sobre os maus cheiros,
apercebi-me de que as terras continuam a ser fertilizadas com matérias
provenientes da exploração animal. Seguidamente, e enquanto ali estava, passava
um tractor que fresava as terras amenizando assim os maus cheiros que se faziam
sentir. Interroguei-me: Será este procedimento legal? Se é, e estando a
exploração superiormente licenciada, continuo a perguntar: Onde está a
solução?”.
Contactado pelo Jornal da Mealhada, Carlos Cabral,
presidente da Câmara Municipal da Mealhada, afirmou: “Infelizmente, os maus
cheiros são uma realidade e toda a gente sabe de onde provêm. Contudo, friso
que autarquia é também uma mera denunciante e estas questões ambientais não são
da sua competência. Eu também sinto o cheiro e a mim também me incomoda
bastante”.
Na carta enviada à Brigada do Ambiente da GNR da Mealhada, pelo
director clínico do HMM, ainda podia ler-se no final: “Não me venham dizer que
a legislação não contempla estas situações. Trata-se de uma questão de bom
senso e de saúde pública. Gostariam vossas excelências de estar numa cama de
hospital ou de ter um familiar num quarto de uma residência de terceira idade,
e suportarem a pestilência dos cheiros que aqui temos?".
E dizia ainda: "Não será a pressa de um arado para
tentar cobrir o esterco espalhado que vai colmatar e fazer esquecer a falta de
sensibilidade de quem o fez, só nele pensando, ano após ano, sem se preocupar
com uma alternativa, espalhando pelos outros aquilo que já nem sente”.
Segundo o Jornal da Mealhada pode apurar, na manhã de
segunda-feira, agentes da Brigada do Ambiente da GNR da Mealhada estiveram no
local de onde, alegadamente, provém o mau cheiro. Contudo, nada fizeram porque
a lei permite aos agricultores este tipo de procedimentos: que espalhem o
estrume e lavrem o terreno, algum tempo depois. “Os agentes disseram que o azar
que se está a ter é o facto de estar calor e um pouco de vento espalha o cheiro
por muitos sítios e mais facilmente”, afirmou ao Jornal da Mealhada, um cidadão
que assistiu à visita, mas que não quis identificar-se. Também José Felgueiras
garantiu: “Na segunda-feira, recebi um telefonema para me deslocar à Quinta da
Tapada para resolver uma situação e, acidentalmente, encontrei lá o
proprietário da pocilga, que me assegurou que lá tinha estado, nessa manhã, um
agente ligado ao ambiente, a fim de verificar a situação. Contudo, garantiu-lhe
que tudo estava a ser feito correctamente. Para terminar, pergunto: e agora?”.
Mónica
Sofia Lopes
Texto publicado na edição impressa do Jornal da Mealhada de 11 de junho de 2008.
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