Para aliciar, quando a bolha rebenta, futuros jogadores são convidados a contar o dinheiro...
O jogo da bola, da roda ou da bolha, os nomes são variados,
tem sido assunto de telejornais, capa de revistas
e, nos últimos dias, assunto recorrente na mesa dos cafés. Também no concelho
da Mealhada são muitos aqueles que quiseram experimentar e que, por saturação
do próprio jogo, já se sentem prejudicados. Há rodas estagnadas há algum tempo
e os 'passageiros' estão a perder as esperanças. Há rodas de mil, dois mil, dez
mil euros ou apenas de duzentos e cinquenta euros, o que interessa é movimentar
dinheiro e arranjar participantes que façam as rodas “rebentar”. E nem
interessa a idade dos participantes. Há rodas de pais, há rodas de filhos, umas
de dez mil euros, outras de duzentos e cinquenta. Há ainda rodas nas escolas ou
nas reuniões de amigos de altas classes sociais...
O esquema do jogo é simples: para participar na roda é
preciso entrar com determinada quantia, em dinheiro, que se entrega a quem está
no centro da bola. Essa pessoa sai da bola e os restantes passageiros
(participantes no jogo) seguem o esquema, dividem-se em dois grupos, e quem
estava a seguir passa para o centro da bola e recebe o dinheiro de quem entra.
Apesar de ter o nome e de seguir um esquema de formato
redondo, o jogo não passa de uma pirâmide, em que o elemento que se encontra no
topo recebe o dinheiro de todos aqueles que estão abaixo dele. Apenas se paga
quando a roda é fechada, ou seja, quando tem oito passageiros, mas também só
recebe aquele que sai, aquele que estava no topo da pirâmide. O jogo torna-se
aliciante porque se baseia na confiança, na capacidade de persuasão, na aventura
do risco e no desejo de ganhar muito dinheiro, em pouco tempo e investindo
baixa quantia.
“Entrei porque acho que é uma boa forma de conseguir algum
dinheiro para as férias”, afirmou, ao Jornal da Mealhada, um passageiro deste
jogo, na Mealhada. “Agora que o jogo começou a ter visibilidade na comunicação
social as rodas estagnaram e tenho a
certeza que há centenas de rodas que vão parar, porque as pessoas têm medo de
investir, correndo o risco de perder dinheiro”, acrescentou.
São muitos também aqueles que são aliciados a entrar neste
jogo. “Quando se fala neste jogo, muitas são as pessoas que, apesar de não
terem intenção de fazer parte dele, têm a curiosidade de ver como funciona e de
ver quem faz parte dele, basicamente, de terem noção de como tudo se processa”,
disse um residente no concelho da Mealhada, que já foi aliciado inúmeras vezes
por elementos de rodas. “Penso que quando se vai assistir a uma reunião com a
intenção de apenas se observar, já se comete um grave erro. Tenho conhecimento
de algumas pessoas que entraram no jogo, pelo facto de terem ido assistir a uma
reunião, num dia em que rebentou uma roda, ou seja, o participante que estava
no topo recebeu todo o dinheiro. Era uma roda de dez mil euros, logo, o jogador
recebeu, em dinheiro, oitenta mil euros. Quem foi assistir a essa sessão foi
convidado a contar todo esse dinheiro. Parece uma boa forma de aliciar, não
é?”, acrescentou.
O jogo tornou-se, por todo o lado, num negócio da China para
os jogadores mais antigos e que estavam inseridos em rodas há muito tempo, mas
está a tornar-se um risco sério para os passageiros mais recentes, que vêm as
rodas paradas há algumas semanas. Caso não se movimentem, são muitos aqueles
que perdem todo o dinheiro investido. “Numa localidade como a Mealhada, em que
existem várias rodas, começa a haver problemas, porque o jogo fica saturado
muito mais rapidamente. Depois também há o problema de todos se conhecerem uns
aos outros e começarem a falar das rodas uns dos outros. É isso que está
acontecer”, explicou um dos participantes.
As reuniões, com o intuito de angariar mais jogadores, podem
ser feitas em qualquer lugar, desde discotecas, passando por bares e cafés, até
aos locais de trabalho. “O sítio nunca é igual, mesmo quando falamos da mesma
roda. Os encontros são sempre definidos no dia em que os elementos tencionam
encontrar-se. Quando é dia de rebentar a bolha, quem, normalmente, marca, é
quem vai sair do jogo”, garantiu um residente da Mealhada, que tem sido
sistematicamente aliciado para entrar no jogo.
Os encontros são marcados só em último caso e o assunto
fala-se através de código. “Apenas se marcam reuniões para apresentar novos
jogadores, falar da angariação de novos jogadores ou quando a roda estoira e
alguém vai sair vencedor. Agora os encontros são mais esporádicos e mesmo as
conversas telefónicas já começam a ser escassas. Os jogadores começam a ter
medo”, explicou o jogador com quem falámos.
“Há pessoas na Mealhada que já ganharam muito dinheiro com o
jogo”, afirmou uma das pessoas com quem falámos. E porque é que, aparentemente,
nada mudou no tipo de vida dessas pessoas, perguntámos. “Porque, de repente,
não podem aparecer com carros ou casa novas ou seja lá o que for. Se houver uma
denúncia da parte das Finanças, descobre-se que os rendimentos dessas pessoas
não são compatíveis com os imóveis que adquiriram, recentemente”, respondeu.
Apesar de a legislação portuguesa proibir as vendas com
recurso a esquemas de pirâmide, neste caso, a lei não se pode aplicar porque
não existe qualquer compra ou venda de produto ou de serviços, apenas os
participantes deveriam declarar às Finanças todos os rendimentos dos quais são
possuidores. Sobre isto e contactado pelo Jornal da Mealhada, o capitão Paulo
Serra, do Destacamento da Guarda Nacional Republicana de Anadia, afirmou:
“Segundo vi, numa reportagem televisiva, o jogo parece-me legal. A única
ilegalidade prende-se com o facto do jogador que recebe o dinheiro não o
declarar. Contudo, do concelho da Mealhada e de concelhos limítrofes, não tive
conhecimento nenhum de que o jogo esteja a funcionar”.
Mónica Sofia Lopes
Reportagem publicada na edição impressa do Jornal da Mealhada de 9 de julho de 2008.