Antigos funcionários de Serração recebem salários passados 30 anos
Foi em outubro de 1985 que as fábricas de
serração de Manuel Vieira da Cruz & Filhos, Lda., fecharam portas e só na
da Lagarteira, freguesia da Pampilhosa, ficaram sem trabalho cerca de três
dezenas de funcionários. No último ano de laboração, todos eles trabalharam sem
receber e agora, volvidas três décadas, os valores vão ser entregues, “por
culpa” de uma antiga funcionária, que fez com que o processo fosse reaberto no
Tribunal de Santarém.
Maria José Correia, residente da Praia do
Ribatejo, onde a empresa tinha sede, era Encarregada de Serviço do Pessoal e
garante que “tinha muito amor ao seu trabalho”. Tanto que trabalhou quase um
ano sem receber salário. “Sabia que se voltasse as costas à empresa, estaria a
voltá-las aos meus colegas também e resolvi ficar até ao fim”, declarou, ao
Jornal da Mealhada, Maria José Correia, que recorda que “a 14 de fevereiro de
1986 foi decretada a falência da empresa no Tribunal da Golegã”. “Mas durante
estes trinta anos, o processo já transitou por cinco Tribunais”, acrescentou.
Foi em 2005, que através de um familiar,
advogado em Santarém, Maria José Correia tomou conhecimento de que poderia
fazer uma “exposição ao Conselho Superior de Magistratura, juntando alguns
colegas para não ir sozinha, explanando toda a situação”. “Contactarem-me logo
porque como havia muito património da empresa para vender, foi fácil a
reabertura do processo”, explicou-nos a antiga funcionária, que a 14 de
fevereiro deste ano recebeu “uma carta a dar autorização para pagamento”.
“Fiquei sem palavras”, confessou-nos.
Mas Maria José Correia sabia que muitos
mais antigos funcionários poderiam receber as devidas indemnizações. “Falei com
o meu marido, que foi peça fundamental neste processo, e começámos por
contactar as Juntas de Freguesias dos locais onde existiam as antigas
fábricas”, explicou Maria José Correia.
E foi assim que, num pleno ato altruísta,
a antiga funcionária da empresa, chegou à fala com Vítor Matos, presidente da
Junta de Freguesia da Pampilhosa. “Eu tinha que lhes dizer, pois de outra forma
não conseguiam lá chegar e o processo seria encerrado. O Tribunal só tinha
nomes, nada mais….”, afirmou Maria José Correia, que diz “que com isto, ganhou
muitos amigos, que me têm dedicado os melhores testemunhos”.
E não esquece o seu primo, advogado em
Santarém. “Se não fosse ele, o processo não tinha andado e até se prestou a
ajudar alguns antigos funcionários, a custo zero”, disse ainda.
Vítor Matos tece muitos elogios a Maria
José Correia e garante que “o papel de uma Junta de Freguesia é também o
social”. E foi, por isso, que de uma simples folha com uma lista de vinte e
sete nomes, surgiu um grande processo, encaminhado pelo presidente e a
funcionária da autarquia da Pampilhosa. “Fomos enviando todos os documentos que
o Tribunal ia pedindo e agora os antigos funcionários estão a começar a ser
notificados”, explicou Vítor Matos.
O Jornal da Mealhada falou com Fernando
Rodrigues e Ramiro Felício Rama, dois pampilhosenses e antigos funcionários da
“Vieira da Cruz”, que nunca na vida pensaram que isto podia vir a acontecer
passados trinta anos do encerramento da empresa.
“Ficámos sem nada e trabalhámos quase um
ano sem receber salário nenhum. Mas nunca virámos as costas e ficámos até ao
fim... Até nos cortarem a luz, a máquina do vapor e carregarem todo o material”,
confessou-nos Ramiro Rama, que garante, contudo, “que trabalho havia muito, mas
como os administradores não pagavam aos fornecedores, estes deixaram de
entregar as madeiras”.
E assim, com cinquenta e quatro anos ficou
sem emprego e nunca mais trabalhou na vida. O colega Fernando Rodrigues,
coletou-se e “abriu” uma carpintaria, mas lamenta toda a situação e o longo
processo: “O dinheiro que vamos receber agora (que não nos quis dizer o valor),
se fosse naquela altura dava para comprar um prédio”.
Reportagem de Mónica Sofia Lopes publicada na edição impressa do quinzenário Jornal da Mealhada, número 972, de 25 de maio de 2016.
Sem comentários:
Enviar um comentário