“Fui incluído na lista negra dos militantes do PS na
Mealhada. Conseguiram magoar-me”
A
poucos meses da saída, após trinta e quatro anos a participar ativamente nos
destinos e decisões do Município da Mealhada, Carlos Cabral, atual presidente
da Câmara Municipal, concedeu uma entrevista ao Jornal da Mealhada, onde falou
da muita obra feita e de alguma que ficou por fazer, das saudades que já sente
e do orgulho que tem nos funcionários municipais, que o “ajudaram” a estar à
frente de uma das poucas autarquias portuguesas que não tem dívidas a ninguém.
De que é que mais se orgulha?
Orgulho-me de tanta coisa… Na
minha vida autárquica, orgulho-me sobretudo pelo facto de ter dado sempre o
máximo de mim em cada momento e é preciso dizer-se que sou autarca desde as
primeiras eleições após o 25 de Abril, primeiro na freguesia da Pampilhosa,
depois na Câmara Municipal, onde já sou presidente há catorze anos. Não tenho
qualquer problema de consciência de não ter dado o máximo de mim em cada dia,
em cada momento.
E a nível de obra feita, qual
para si teve mais relevância?
Gostei de todas as obras que
foram feitas, posso não gostar delas esteticamente, mas gosto delas porque são
o resultado de uma equipa de trabalho e dos anseios das populações. Mas há
obras que nos deixam marcas… Hoje ninguém se lembra que completámos as
coberturas a cem por cento do abastecimento de água e da recolha de esgotos com
tratamento no concelho da Mealhada e isso são duas necessidades extremamente
básicas que nós construímos e concluímos. Se calhar hoje não dizem nada às
pessoas, porque abrem a torneira e corre a água e porque sabem que os esgotos
são tratados, mas a mim isto continua a dizer muito porque me marcou, foi um
esforço enorme em diversos mandatos, num deles ainda não era presidente, era
vereador. Foi um esforço que me encheu de alegria quando em Carvalheiras e
Louredo completámos o ciclo de abastecimento da água e também, porque não
dizê-lo, quando levámos a água a Rio Covo, a mais pequena povoação do concelho
da Mealhada, que tinha na altura dois habitantes. Talvez tenha sido a água mais
cara do concelho, mas as pessoas que lá viviam tinham os mesmo direitos que
qualquer outra.
O que ficou por fazer?
Tanta coisa… Tinha que ficar
muita coisa por fazer, se não isso era um problema para a Democracia. Se
tivéssemos feito tudo já não havia eleições autárquicas porque não era preciso.
Há muita coisa por fazer no município, mas que eu tenha deixado por fazer
ficaram alguns projetos, nomeadamente, o projeto da Plataforma Rodoferroviária
da Pampilhosa, que está pronto e aprovado, temos parte dos terrenos, mas fica
por construir, e o Campo de Golfe, que se arrasta há uma série de anos, uma vez
que quando nós quisemos e tínhamos condições parte da população não quis e hoje
passa-se o contrário, as populações querem, mas não há possibilidade, em termos
financeiros e do enquadramento económico em que vivemos. E estas são obras que
têm que ter uma parceria com o setor privado, não uma parceria publico-privada…
Se soubesse o que sabe hoje, o que
não teria feito?
É difícil escolher. Não tenho
consciência de termos feito uma obra que não fosse necessária. Todas as obras
deste Município, após o 25 de Abril, têm a minha participação, todas sem exceção,
quanto mais não seja pelo meu voto no executivo municipal.
Em relação às Termas de Luso,
assunto de que tanto se fala nos últimos anos, o que é que aconteceu?
Como sabe as Termas do Luso são
concessionadas à Sociedade da Água de Luso, em que a Câmara Municipal não tem propriamente
intervenção legal, mas teve sempre uma intervenção de influência. Evidentemente
há coisas em relação às Termas do Luso que eu não concordo. Hoje o termalismo
tem um conceito diferente do que tinha há vinte, trinta anos. Hoje as Termas,
na sua generalidade, foram relegadas para um papel lúdico, quando elas, na
minha modesta opinião, têm uma importância muito grande na prevenção da doença.
Infelizmente vivemos num país de medicina curativa, onde a medicina preventiva,
que deveria ter um investimento acentuado que resultaria em poupança de grandes
recursos, foi praticamente abandonada. As Termas tiveram uma altura em que eram
sobrevalorizadas, basta dizer que a Segurança Social pagava o alojamento a toda
a gente, julgo que até do cão e do gato, e hoje quase todas as comparticipações
foram eliminadas. É evidente que isto teve um reflexo brutal no Luso. Quando as
Termas “caem” é a própria vila do Luso que cai na sua parte social e económica.
Há poucos anos, como se sabe, a SAL fez uma aposta ao associar-se a outra
empresa, que toda a gente diz agora que foi uma aposta errada e eu também o
digo, mas no início era uma aposta que parecia válida. Como diria o jogador do
Futebol Clube do Porto, João Pinto, “prognósticos só depois do jogo”. Agora,
muito obrigado, todos acertam.
Por outro lado julgo que a
população do Luso tem que fazer uma reflexão profunda do que quer para a vila.
Ainda há poucos dias, houve um problema que foi debatido na Câmara Municipal
sobre a perspetiva, para nós nefasta, do barulho noturno que se faz sentir no
Luso. Tive aqui um abaixo-assinado de duzentas e tal pessoas a dizer que essa
atividade responsável pelo barulho noturno era necessária e fundamental para a
vila do Luso. As pessoas têm que optar. É preciso saber se o Luso é uma estância
de repouso ou se é uma estância de atividade noturna, com tudo aquilo a que
está associado. Como vê, as pessoas contradizem-se com alguma facilidade. O que
se passa no Luso é muito complexo e nem a população chegou a um consenso do que
pretende. A Câmara sabe o que quer em termos da sua influência e participação.
Temos feito uma reconversão total da vila, em termos urbanísticos e que tem
decorrido nos últimos anos. Recuperámos a Fonte de São João, a Avenida e agora
continuamos com obras de grande envergadura e de grande influência na estrutura
urbana do Luso.
E como fica a situação do Teatro
Avenida Luso?
A Câmara adquiriu há quatro anos
o edifício que lá existe, parcialmente em ruína, com uma finalidade. Depois de
obras de recuperação pretendíamos ter ali um pequeno auditório, mas também, e
com um protocolo a estabelecer com a Universidade de Coimbra, que tem tremido
por razões de ordem financeira, a criação de um espaço de investigação para
aproveitamento das virtualidades da água do Luso em determinado tipo de
tratamentos, nomeadamente, ao nível de doenças que aparecem nas fases mais
avançadas da vida. E este é um assunto que não está posto de lado. Espero que o
próximo executivo lhe pegue e continue em contacto com a Universidade, para que
possa ser possível a concretização dessa ideia.
E em relação ao Cineteatro da
Pampilhosa?
O Cineteatro da Pampilhosa é propriedade
da associação mais antiga do município da Mealhada, que se chama Grémio de
Instrução e Recreio e que temos dados de que em 1908 já existia. Este Teatro
foi construído com um grande apoio da população, teve alguns mecenas locais e
entrou em ruína, obviamente com o passar dos anos. Há cinco ou seis anos, os
atuais dirigentes dessa associação quiseram fazer a sua recuperação. Fez-se uma
parceria tripartida entre o Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território,
através da Direção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano,
que se propunha a comparticipar a obra, a Câmara Municipal e também a própria
associação. Posso dizer-lhe que a Câmara Municipal tem cumprido religiosamente
o protocolo, a associação tem cumprido a realização do protocolo e ficam a
faltar as comparticipações prometidas pela Administração Central. Estou
convencido de que se a direção da GIR remeter isto para o Tribunal Administrativo,
pode demorar uns anos, mas acaba por receber o dinheiro acordado, porque não se
pode colocar de lado a documentação assinada pelo próprio Secretário de Estado.
Algum dia este dinheiro aparece, porque o estado assumiu um compromisso e
através da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) estão-se a
“esquecer” deste dinheiro.
E sobre as antigas fábricas de
Cerâmica da Pampilhosa?
A Câmara adquiriu no ano passado
a antiga Cerâmica das Devesas, que é a fábrica em ruínas mais a sul junto à Estação
e a mais antiga. Adquiriu porque estava em negociação há anos com os
proprietários, entendemos que era necessário pôr ordem, em termos urbanos, naquela
zona, além disso, o edificio é de 1891, parte dele tem uma traça que merece ser
conservado e, por fim, havia também a hipótese de fazer um parque de
estacionamento do lado poente da Estação para facilitar o seu acesso. Evidentemente
que há também por parte da CP e da REFER necessidade de permitir o acesso do
lado poente da Estação da Pampilhosa. Mas tudo isto está a decorrer com a
lentidão dos comboios portugueses, que passam a trinta quilómetros por hora na
Pampilhosa, à mesma velocidade a que andam as entidades responsáveis por eles.
O estado do Bussaco, neste
momento, é motivo de orgulho para si?
A natureza foi muito injusta para
com o Bussaco, em janeiro deste ano, aquando da tempestade que assolou esta
região e devastou parte da Mata Nacional do Bussaco, onde mais de duas mil
arvores foram derrubadas, destruída parte da Via Sacra e do Convento e ainda alguns
edifícios. E isso não nos traz boas recordações…
Agora se se refere ao trabalho da
Fundação Mata do Bussaco, respondo sim, é motivo de orgulho, porque esta
entidade fez mais pelo Bussaco, pela sua conservação e recuperação, em cerca de
três anos de atividade, do que a Direção Geral das Florestas e seus
antecedentes durante quarenta anos. E isto é uma realidade.
Das coisas que mais me choca é
ver pessoas com responsabilidades neste município, muita gente do Luso, ter uma
animosidade doentia em relação à gestão da Mata do Bussaco só porque se
acabaram alguns privilégios existentes e que eram de todo injustos. Eram
privilégios que a população do concelho não tinha, mas que algumas poucas pessoas
do Luso tinham, tais como, “direito a casa, a lenha, etc.”. Só que a casa e a
lenha de que se fala também é do português mesmo que viva nos Açores, porque estamos
a falar de património público, que foi alvo de aproveitamento pessoal e até de
algumas virtualidades e potencialidades do próprio Bussaco. É inadmissível
também que tenha acabado a concessão do Palace Hotel e antes disso não tenha
sido lançado um concurso para a nova concessão, que há cinco seis anos anda a
ser prorrogada. Isto quer dizer alguma coisa…
Em 2009, em entrevista ao Jornal
da Mealhada, focou as prioridades da sua candidatura na aposta na ação social
escolar, no investimento nas Zonas Industriais e “dar passos largos no
desenvolvimento do projeto LusoInova”. Alguma destas coisas falhou?
Falhou, não a cem por cento, mas
falhou a questão do LusoInova. Este foi um projeto elaborado com uma participação
muito ativa da Sociedade das Águas de Luso e, portanto, a Câmara na parte que
lhe diz respeito também avançou no cumprimento daquilo que lhe cabia e que
assumiu. A reestruturação da zona urbana do Luso está integrada nisto tudo.
Desta vez eu diria que foi o setor privado que falhou, mesmo não tendo a
responsabilidade exclusiva dessa falha.
Em relação às Zonas Industriais…
A da Pedrulha “viu” esgotadas as vendas de lotes na primeira fase, passámos à
segunda e ainda há poucos dias foram abertas propostas para mais uma hasta
publica de atribuição de lotes, e num período de crise em que vivemos, foram
atribuídos mais três lotes de grande dimensão. Isto foi um êxito na minha
opinião e é preciso dizer-se que não vendemos lotes a um euro o metro quadrado,
porque falamos de um sítio com qualidade, apesar de haver quem diga isso…. e cá estaremos para ver.
Em relação à Zona Industrial de
Barrô o projeto está aprovado, está tudo como deve ser, mas faltam os terrenos
que são todos privados. Sabe que a transparência da vida pública é fundamental,
mas sobretudo beneficia aqueles que têm dinheiro.
Em relação à ação social, não foi
só a ação social escolar, infelizmente, mas também ação social direta, devido
aos tempos difíceis que o país atravessa. Os serviços sociais da Câmara
Municipal têm tido uma atividade intensiva com o apoio às populações e por esta
mesa têm passado pessoas que vêm quase desabafar com o presidente da Câmara e
que o deixam revoltado por não poder fazer nada. Nunca veio cá ninguém pedir
emprego, mas vêm muitos pedir trabalho.
Conseguiu adquirir os edifícios
do Instituto da Vinha e do Vinho como tanto desejava. Que projetos serão ali construídos,
para além do Centro Escolar da Mealhada?
A Câmara adquiriu-os, custou-nos
mais de um milhão e duzentos mil euros, foi pago de imediato e é sabido que
quando quisémos entrar nos edifícios parte deles estavam ocupados com mil cento
e tal máquinas de jogo apreendidas pela ASAE e sob a guarda da Direção Geral do
Turismo. Encontrámos também duas cubas com álcool, não sei se cheias ou meias,
que está a pingar e está lá há cerca de vinte anos e que foi uma apreensão da
Guarda ou Brigada Fiscal da GNR. Num país rico como o nosso esqueceram-se que
estava ali o álcool, que tanta utilidade tem. Adquirimos os edifícios em agosto
do ano passado e até hoje não conseguimos tirar de lá nem o álcool, nem as
máquinas. Há cerca de oito dias recebi um ofício da Direção Geral do Turismo
que dizia que as máquinas de jogo já tinham saído de lá. Só que como eu já cá
ando há muito tempo, mandei verificar e afinal ainda lá estão seiscentas para
tirar. Este para já é o problema…
Já recuperámos há anos um dos
edifícios, a antiga Destilaria, que é uma parte que tem condições
extraordinárias para receber alguns eventos relacionados com a produção do
vinho, por exemplo, e depois temos instalações que dão para muita coisa,
nomeadamente, para alguns serviços municipais. O nosso objetivo é dar vida
aquela parte da Mealhada, que como é sabido há uns anos a esta parte está
despovoada.
Temos também o início do projeto
que poderá ligar a Avenida Dr. Manuel Louzada à rotunda do Leitão na Estrada
Nacional 1, que é uma obra prevista há uns anos, mas agora temos os terrenos
podemos abri-la imediatamente. Será o próximo executivo a decidir.
Durante os seus últimos mandatos
houve momentos de conflitualidade, nomeadamente, com a Associação de Carnaval
da Bairrada e a Santa Casa da Misericórdia da Mealhada. O que se passou?
Não
houve conflitualidade. Não concordo que tenha havido conflitualidade porque não
existiu qualquer agressividade verbal das partes envolvidas. Agora, uma
instituição pública como a Câmara Municipal não está ao serviço de ninguém,
está ao serviço de todos sem exceção, neste caso de vinte e uma mil pessoas residentes
no município. No dia em que a Câmara estiver ao serviço de um reduzido número
de pessoas e/ou de instituições isso é muito mau.
O que
existiu com o Carnaval foi apenas a introdução de regras para o apoio municipal.
Como são dinheiros públicos tem que se dizer concretamente para que servem. A
ACB justifica-se à Câmara Municipal e esta responde ao Tribunal de Contas
porque fomos inquiridos. E foi isto que aconteceu em determinada altura, em que
exigimos a apresentação de contas do dinheiro público que a Câmara entregou à
Associação de Carnaval. Nós não queremos saber das receitas do evento, em
termos de entradas ou de outras coisas quaisquer. A única coisa que queremos
saber é das importâncias que lhe são entregues pela Câmara. Para isso, mandámos
realizar uma auditoria, o resultado é conhecido e não vamos falar mais sobre
isso. A partir desse momento, e seguindo um protocolo, a Associação de Carnaval
passou a apresentar faturas das aquisições que fazia e faz em cada ano, no
prazo de cinco, seis dias é-lhe entregue o montante correspondente e depois
eles têm dez dias para provar que pagaram. E parece que isto foi bom para
todos. Assim a Câmara passou a poder responder ao Tribunal de Contas sobre o
destino deste dinheiro público.
Em
relação à Santa Casa da Misericórdia da Mealhada também não há conflitualidade
nenhuma. Uma instituição que recebe quinhentos mil euros da Câmara Municipal
para construir um Hospital naturalmente que isto não é conflitualidade, é precisamente
o contrário. Se calhar as pessoas pensam que se poderia dar mais, mas eu
gostava de saber quantas Câmaras Municipais pagaram quinhentos mil euros a
qualquer Misericórdia para construir equipamentos e temos 308 no país… E estou
a falar pela boca de uma pessoa muito respeitada por todos nós, o senhor padre
Melícias quando era o presidente da União das Misericórdias e numa deslocação à
Mealhada me disse isto mesmo.
E em
relação ao Mercado, que apesar de ser denominado de municipal é propriedade da
Santa Casa…?
Em relação a este assunto houve
um erro gravíssimo da mesa da Misericórdia. Se esta entidade tem aceite a proposta
que o senhor Aprígio Santos da Figueira da Foz lhe apresentou para comprar os
terrenos do Mercado por um milhão e quinhentos mil euros, tinha sido uma
maravilha. É que a Câmara jamais poderá acompanhar a proposta do senhor Aprígio
e outras que foram apresentadas. Não podemos porque não temos capacidade
financeira para isso e íamo-nos endividar pela certa.
É “acusado” de ser “unhas-de-fome”
na gestão dos dinheiros públicos?
Fui acusado disso na Assembleia
Municipal por um representante do meu partido e acusado de fazer gestão de
merceeiro por um membro da oposição, curiosamente por um filho de um merceeiro
que muito prezei pois era meu conterrâneo. Respondi-lhe que o fazia “com muita
honra”. Prezo muito os merceeiros antigos porque tinham sentido de ética do não
dever nada a ninguém e entendiam que o dinheiro que estava na gaveta não era
todo lucro. Agora os modernos merceeiros não, sobrevivem e fazem tudo com o
nosso dinheiro e no fim piram-se e pagamos todos com os impostos.
Eu com o meu dinheiro posso fazer
o que eu quiser, mas com dinheiros públicos tenho mesmo que ser “unhas-de-fome”.
É mesmo verdade que vai deixar a Câmara
com dinheiro e com as contas totalmente em dia?
Sim, é verdade. Aqui as faturas
são pagas, com a minha autorização ou a da vice-presidente, que é uma das
intervenientes nesse “corte das unhas rentes”, a uma, duas semanas. Temos
estabilidade, não temos deficit e quando foi perguntado ao Revisor Oficial de
Contas, na Assembleia Municipal, se a Câmara fosse uma empresa se seria um bom
investimento, a resposta foi: “Ótimo”. Há nove anos seguidos que transitamos
sem dividas de curto prazo de ano para ano. Já sei que nesta situação somos agora
trinta e tal no país, mas os municípios são 308, portanto ainda há uma grande
diferença. Vale a pena ser “unhas-de-fome”. A população até agora tem achado
bem, tenho a certeza.
É vereador na Câmara desde 1979,
foi número 2 da Câmara durante dez anos e é presidente da autarquia desde 1999.
Na sua opinião, acha que se pode falar de eternização do poder e que isso
poderá levar a um compadrio de cargos na autarquia, de que por vezes se fala lá
fora?
Se há coisa que muito me orgulha
e me honra é nunca me ter chegado nenhuma denúncia de situação de compadrio
patrocinada pelo presidente da Câmara. Posso dizer-lhe que houve duas ou três
acusações e as pessoas pagaram no Tribunal por aquilo que disseram.
Sabemos que são enviadas algumas cartas anónimas para a Inspeção Geral da
Administração do Território e até para a polícia por alguns “cobardes” e eu
lamento que em Democracia isto ainda seja usado. Ainda recentemente tive uma
inspeção à Câmara motivada por cartas anónimas. Eu não tenho qualquer propensão
para adivinhar mas só faltou lá a assinatura nessas cartas dos e das “artistas”
que as escreveram...
Incompatibilizou-se
com o doutor Rui Marqueiro?
Pessoalmente não, mas
politicamente tenho opiniões diferentes das deles. Somos do mesmo partido,
temos visões diferentes das coisas e do mundo e portanto há uma
incompatibilidade ideológica, sem duvida nenhuma. Não haveria problema nenhum,
não fossem os partidos levarem isto a mal, como é o caso.
Aquando das eleições diretas do
PS, disse num órgão de comunicação social que Marqueiro não tinha perfil para
ser presidente nos dias de hoje. Mantém essa ideia?
A minha escolha não foi o doutor
Marqueiro, mas penso que o meu partido o escolheu democraticamente. Há quatro
anos, o doutor Marqueiro disse que eu deveria dar lugar aos novos. Como se sabe
ele é um jovem, portanto tinha toda a razão quando dizia que eu devia dar lugar
aos mais jovens...
Vota nele?
Eu não
devo ir votar para a Câmara Municipal e explico-lhe porquê… Porque eu sou o único
cidadão deste concelho que não tenho o direito de ser candidato à Câmara
Municipal da Mealhada, por força de uma lei com a qual não concordo, embora
quisesse ser candidato. Esta lei surgiu no país por mão do meu partido e do PSD
no contexto de combate à corrupção, portanto estou convencido que a partir de outubro,
quando tomarem posse os novos executivos, com cerca de cento e cinquenta
presidentes de Câmara e de mil e duzentos presidentes de Juntas de Freguesia
que vão sair, o país será o mais honesto do mundo, porque os eventuais e
possíveis corruptos vão todos para a rua. Tudo o que vier é gente de primeira
água, limpa e que na politica nunca quis nada. Por isso não concordo com esta
lei por ser de combate à corrupção e por achar que esta só existe nas Câmara
Municipais e nas Juntas de Freguesia. Concordo com a lei se for para dar lugar
aos novos, mas tem que ser extensível a toda a gente que está na política,
nomeadamente, na Assembleia da República, Ministérios e em nomeações para os
mais diversos cargos políticos. Ai sim, a lei seria para todos.
Também em 2009 foi público que
não apoiou a candidatura de Miguel Felgueiras à Assembleia Municipal “pela sua
juventude”. Após quatro anos volvidos o que lhe diz a experiência?
Disse-me que eu tinha razão, apesar
de não ficar satisfeito com isso.
Na mesma entrevista fez um apelo
às oposições para que tivessem “como objetivo fundamental servir a população do
concelho” uma vez que estava “escaldado” com as anteriores. Vai embora
satisfeito com a oposição?
Posso
dizer-lhe que a nível pessoal eu fiz amigos também na oposição em todos os
mandatos e vou satisfeito porque foi possível, em momentos muito difíceis, como
por exemplo neste mandato os assuntos da extinção de freguesias e da Mata do
Bussaco, conseguirmos consensos. Todas as deliberações da Câmara Municipal
foram tomadas por unanimidade nessas matérias e em relação ao resto poucas
foram sem o ser por unanimidade. E a não unanimidade quando existiu nem sempre
foi da oposição, foi às vezes de pessoas também do meu partido que não estavam
de acordo com uma ou outra posição.
Em 2001 dá-se uma divisão no PS,
nas eleições onde Odete Isabel também se queria candidatar. Passados tantos
anos, o assunto está “arrumado”?
Da
minha parte ficou logo arrumado. Já lá vão doze anos e tal e eu não guardo ressentimento
em relação a ninguém. Só quando as pessoas me ofendem pessoalmente é que as
coisas são diferentes, não agrido mas defendo-me.
Recentemente afirmou que vai
continuar a estar atento à política concelhia. O que isso significa? Vai ficar
ligado diretamente a algum cargo? Aguarda algum convite da Administração Central?
Vou andar por ai, atento como
devem estar todos os munícipes do concelho. Quanto mais gente atenta houver,
melhor será para a Câmara Municipal, melhor para as autarquias e para os seus
órgãos.
Não fui convidado para nenhum
cargo, mas garanto-lhe que só aceito cargos de eleição. Até na minha vida
profissional sempre foi assim.
Está disponível para colaborar
com o próximo executivo da autarquia, independentemente da cor política?
Qualquer que seja o próximo
executivo poderá haver necessidade de explicação de algum dossier. Foram muitos
anos aqui e obviamente que estarei sempre disponível, até porque é minha
obrigação moral, politica e democrática fazê-lo, se solicitado.
Deixa “herdeiros” na Câmara
Municipal da Mealhada?
Não.
Deixo muitos amigos e amigas, ao nível de funcionários e não preciso de andar
na farra com eles para os ter como amigos. Eles conhecem-me e sabem que tiveram
sempre, para além do responsável máximo da autarquia, um amigo. Sempre os
defendi até quando a própria legislação era injusta para com eles e tive de
todos a máxima colaboração. Criaram-se amizades e devo muito aos funcionários
municipais, porque sem eles a Câmara não era uma autarquia não endividada e
organizada.
E
digo-lhe que “eles” são muito poucos. Quando houve a transferência de
competências do Ministério da Educação para a Câmara Municipal, o quadro quase
duplicou, porque nós nunca tivemos uma Câmara asilo e fomos tramados por isso.
Com a redução do número de contratações, as Câmaras asilo são uma maravilha
porque lhes sobra gente em todo o lado, mas aqui não temos isso! Temos
dificuldade em mudar um funcionário de serviço porque fica sempre um buraco que
não é possível tapar. Trabalhámos sempre no limite mínimo do que era possível
para a funcionalidade da Câmara. Aqui os funcionários são multifacetados,
polivalentes e nunca quiseram saber do seu conteúdo funcional, no bom sentido.
“Saudade” tem sido um dos termos
mais usados nos seus últimos discursos. Já sente saudade de quê?
Sinto saudade sobretudo das
pessoas. Eu nunca tive dia para receber munícipes. As pessoas vêm aqui e se eu
cá estou, ou interrompo o que estou a fazer imediatamente ou peço para aguardar
uns minutos, e vou atender as pessoas.
Como se
definem 34 anos ligado ao Município da Mealhada numa palavra?
Trinta
e quatro anos na Câmara da Mealhada e três na Assembleia de Freguesia da
Pampilhosa definem-se como o meu contributo para a Democracia.
Deixa alguma coisa por dizer aos
mealhadenses?
Não. Nunca gostei de dar
conselhos a ninguém, mas gosto de os receber. Devemos respeitar a liberdade dos
outros e esta vai até ao ponto em que eles podem ser contra nós. Há quem não
aceite isso! E das coisas que mais me magoa é que fui incluído na lista negra
dos militantes do Partido Socialista, não a nível nacional ou distrital, mas no
concelho da Mealhada. Quem faz isto pode estar satisfeito porque conseguiu
magoar-me.
Entrevista
de MÓNICA SOFIA LOPES, no quinzenário Jornal da Mealhada de 17 de julho de 2013.
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