sábado, 29 de setembro de 2012

...Jogo da Roda na Mealhada...



Para aliciar, quando a bolha rebenta, futuros jogadores são convidados a contar o dinheiro...

O jogo da bola, da roda ou da bolha, os nomes são variados, tem sido assunto de telejornais, capa de revistas e, nos últimos dias, assunto recorrente na mesa dos cafés. Também no concelho da Mealhada são muitos aqueles que quiseram experimentar e que, por saturação do próprio jogo, já se sentem prejudicados. Há rodas estagnadas há algum tempo e os 'passageiros' estão a perder as esperanças. Há rodas de mil, dois mil, dez mil euros ou apenas de duzentos e cinquenta euros, o que interessa é movimentar dinheiro e arranjar participantes que façam as rodas “rebentar”. E nem interessa a idade dos participantes. Há rodas de pais, há rodas de filhos, umas de dez mil euros, outras de duzentos e cinquenta. Há ainda rodas nas escolas ou nas reuniões de amigos de altas classes sociais...
O esquema do jogo é simples: para participar na roda é preciso entrar com determinada quantia, em dinheiro, que se entrega a quem está no centro da bola. Essa pessoa sai da bola e os restantes passageiros (participantes no jogo) seguem o esquema, dividem-se em dois grupos, e quem estava a seguir passa para o centro da bola e recebe o dinheiro de quem entra.
Apesar de ter o nome e de seguir um esquema de formato redondo, o jogo não passa de uma pirâmide, em que o elemento que se encontra no topo recebe o dinheiro de todos aqueles que estão abaixo dele. Apenas se paga quando a roda é fechada, ou seja, quando tem oito passageiros, mas também só recebe aquele que sai, aquele que estava no topo da pirâmide. O jogo torna-se aliciante porque se baseia na confiança, na capacidade de persuasão, na aventura do risco e no desejo de ganhar muito dinheiro, em pouco tempo e investindo baixa quantia.
“Entrei porque acho que é uma boa forma de conseguir algum dinheiro para as férias”, afirmou, ao Jornal da Mealhada, um passageiro deste jogo, na Mealhada. “Agora que o jogo começou a ter visibilidade na comunicação social  as rodas estagnaram e tenho a certeza que há centenas de rodas que vão parar, porque as pessoas têm medo de investir, correndo o risco de perder dinheiro”, acrescentou.
São muitos também aqueles que são aliciados a entrar neste jogo. “Quando se fala neste jogo, muitas são as pessoas que, apesar de não terem intenção de fazer parte dele, têm a curiosidade de ver como funciona e de ver quem faz parte dele, basicamente, de terem noção de como tudo se processa”, disse um residente no concelho da Mealhada, que já foi aliciado inúmeras vezes por elementos de rodas. “Penso que quando se vai assistir a uma reunião com a intenção de apenas se observar, já se comete um grave erro. Tenho conhecimento de algumas pessoas que entraram no jogo, pelo facto de terem ido assistir a uma reunião, num dia em que rebentou uma roda, ou seja, o participante que estava no topo recebeu todo o dinheiro. Era uma roda de dez mil euros, logo, o jogador recebeu, em dinheiro, oitenta mil euros. Quem foi assistir a essa sessão foi convidado a contar todo esse dinheiro. Parece uma boa forma de aliciar, não é?”, acrescentou.
O jogo tornou-se, por todo o lado, num negócio da China para os jogadores mais antigos e que estavam inseridos em rodas há muito tempo, mas está a tornar-se um risco sério para os passageiros mais recentes, que vêm as rodas paradas há algumas semanas. Caso não se movimentem, são muitos aqueles que perdem todo o dinheiro investido. “Numa localidade como a Mealhada, em que existem várias rodas, começa a haver problemas, porque o jogo fica saturado muito mais rapidamente. Depois também há o problema de todos se conhecerem uns aos outros e começarem a falar das rodas uns dos outros. É isso que está acontecer”, explicou um dos participantes.
As reuniões, com o intuito de angariar mais jogadores, podem ser feitas em qualquer lugar, desde discotecas, passando por bares e cafés, até aos locais de trabalho. “O sítio nunca é igual, mesmo quando falamos da mesma roda. Os encontros são sempre definidos no dia em que os elementos tencionam encontrar-se. Quando é dia de rebentar a bolha, quem, normalmente, marca, é quem vai sair do jogo”, garantiu um residente da Mealhada, que tem sido sistematicamente aliciado para entrar no jogo.
Os encontros são marcados só em último caso e o assunto fala-se através de código. “Apenas se marcam reuniões para apresentar novos jogadores, falar da angariação de novos jogadores ou quando a roda estoira e alguém vai sair vencedor. Agora os encontros são mais esporádicos e mesmo as conversas telefónicas já começam a ser escassas. Os jogadores começam a ter medo”, explicou o jogador com quem falámos.
“Há pessoas na Mealhada que já ganharam muito dinheiro com o jogo”, afirmou uma das pessoas com quem falámos. E porque é que, aparentemente, nada mudou no tipo de vida dessas pessoas, perguntámos. “Porque, de repente, não podem aparecer com carros ou casa novas ou seja lá o que for. Se houver uma denúncia da parte das Finanças, descobre-se que os rendimentos dessas pessoas não são compatíveis com os imóveis que adquiriram, recentemente”, respondeu.
Apesar de a legislação portuguesa proibir as vendas com recurso a esquemas de pirâmide, neste caso, a lei não se pode aplicar porque não existe qualquer compra ou venda de produto ou de serviços, apenas os participantes deveriam declarar às Finanças todos os rendimentos dos quais são possuidores. Sobre isto e contactado pelo Jornal da Mealhada, o capitão Paulo Serra, do Destacamento da Guarda Nacional Republicana de Anadia, afirmou: “Segundo vi, numa reportagem televisiva, o jogo parece-me legal. A única ilegalidade prende-se com o facto do jogador que recebe o dinheiro não o declarar. Contudo, do concelho da Mealhada e de concelhos limítrofes, não tive conhecimento nenhum de que o jogo esteja a funcionar”.

Mónica Sofia Lopes

Reportagem publicada na edição impressa do Jornal da Mealhada de 9 de julho de 2008.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

...Maus cheiros na cidade da Mealhada...



A revolta de utentes, de técnicos de saúde, de autarcas e de condóminos...

O cheiro também tinha chegado à redacção do Jornal da Mealhada, mas, a partir do momento em que se avolumaram as queixas por parte de leitores... e não só, o assunto tratou-se motivo de reportagem. Há alguns dias que o problema se intensificava. Na tarde de sábado, 7 de Junho, no entanto, era mais difícil transitar pelas ruas da cidade da Mealhada sem pensar poder estar-se no meio de uma estrebaria. E continuou pelo início da semana. O cheiro que se fazia sentir, proveniente de excrementos animais, resultava do processo de fertilização de terrenos agrícolas. E aí surge a pergunta: Haverá legitimidade para, em nome da agricultura, proporcionar um tempo de agonia aos moradores da cidade? Os responsáveis pelo Hospital da Misericórdia da Mealhada (HMM) e pelo Centro de Saúde da Mealhada, assim como os moradores dos lotes da Quinta dos Coutos, por exemplo, têm pronta resposta à questão. Dizem-se os mais lesados com os maus cheiros que, ciclicamente, se fazem sentir e se agravam quando chega o calor.
“Desde sexta-feira que este cheiro tem sido intenso e é horrível. Hoje (segunda-feira, 9 de Junho) está, novamente, a ser insuportável”, afirmou Adelaide Capelão, a própria Delegada de Saúde do Concelho da Mealhada, que enquanto falava com a repórter do Jornal da Mealhada, no Centro de Saúde da Mealhada. Juntas, delegada e repórter, avistavam, perto, nas traseiras do edifício do Centro de Saúde, a origem do mau cheiro... num tractor a espalhar dejectos pelo terreno agrícola.
A delegada de saúde continuou: “Não podemos fazer nada porque, ao que parece, os responsáveis destas cultivações estão a cumprir a legislação ao colocarem o estrume. Apesar disso, vamos telefonar para a Guarda Nacional Republicana, para a Brigada do Ambiente e denunciar a situação”.
Na sala de espera do Centro de Saúde, na manhã dessa segunda-feira, os utentes chegavam, mesmo, a utilizar lenços para tapar o nariz e a boca para puderem estar naquele local. “Isto é uma vergonha! Colocam leis do tabaco por causa dos fumos e dos maus cheiros e depois permitem que as pessoas estrumem as suas terras desta maneira. Primeiro eram os cheiros da pocilga da Antes, depois da Fábrica Alcides Branco, na Vacariça, e agora isto. É tempo de o presidente da Câmara Municipal da Mealhada fazer alguma coisa. Não é no Verão que se deve estrumar a terra, tem que se ter o cuidado de fazer isso quando não há tanto calor”, lamentou Rogério Gomes, residente na Vimieira, enquanto esperava ser atendido pelo médico de família.
Na tarde de segunda-feira, também Luís Oliveira, director clínico do HMM, alertando para os perigos que tudo isto pode causar nos utentes da instituição, mostrou à repórter do Jornal da Mealhada, uma carta que tinha enviado, nesse dia, à Brigada do Ambiente, da Guarda Nacional Republicana (GNR) da Mealhada, intitulada “Cheiro a excrementos no Hospital da Mealhada”. Na carta podia ler-se: “Desde há alguns dias que se faz sentir cheiro nauseabundo a detritos orgânicos, excrementos, que são lançados para os terrenos sitos na rectaguarda do Hospital e Centro de Saúde, que penetra nos corredores do hospital e se impregna no vestuário, transmitindo um odor fétido que contamina os domicílios”. O director clínico, na carta, alertava, ainda: “Porque os doentes aqui internados no hospital e os residentes no lar, bem como os utentes do Centro de Saúde, não têm alternativa para mudarem de local, porque este tipo de cheiros provém de materiais com matérias orgânicas prejudiciais à saúde, porque é indicador de contaminação microbiológica, não devendo ser utilizado na proximidade de aglomerados urbanos, quanto mais de instalações de saúde. Estamos no século XXI, pertencemos à União Europeia, temos entidades zelosas para fazer acabar com métodos arcaicos de produção alimentar e artesanal, para proteger a saúde pública. Não teremos meios de protecção ambiental, capazes de verificar as ocorrências e de actuar coerciva e preventivamente?”.
Nuno Pestana , da empresa Soluções e Condomínio,  porta-voz dos moradores dos lotes 4 e 9 da Quinta dos Coutos, declarou: “Temos tido imensas queixas da parte dos condóminos, devido aos maus cheiros dos fertilizantes naturais. É uma situação intolerável, mas que foge ao nosso controlo. Gostávamos que este problema se resolvesse, com alguma brevidade”.
“Não sou especialista em problemas do meio ambiente, mas lá que cheira mal, cheira!”, começou por dizer José Felgueiras, presidente da Junta de Freguesia da Mealhada, quando confrontado com este problema. José Felgueiras disse, ainda: “Na passada sexta-feira, encontrava-me ao serviço da Junta, na Quinta da Tapada, e em conversa com um morador sobre os maus cheiros, apercebi-me de que as terras continuam a ser fertilizadas com matérias provenientes da exploração animal. Seguidamente, e enquanto ali estava, passava um tractor que fresava as terras amenizando assim os maus cheiros que se faziam sentir. Interroguei-me: Será este procedimento legal? Se é, e estando a exploração superiormente licenciada, continuo a perguntar: Onde está a solução?”.
Contactado pelo Jornal da Mealhada, Carlos Cabral, presidente da Câmara Municipal da Mealhada, afirmou: “Infelizmente, os maus cheiros são uma realidade e toda a gente sabe de onde provêm. Contudo, friso que autarquia é também uma mera denunciante e estas questões ambientais não são da sua competência. Eu também sinto o cheiro e a mim também me incomoda bastante”.
Na carta enviada à Brigada do Ambiente da GNR da Mealhada, pelo director clínico do HMM, ainda podia ler-se no final: “Não me venham dizer que a legislação não contempla estas situações. Trata-se de uma questão de bom senso e de saúde pública. Gostariam vossas excelências de estar numa cama de hospital ou de ter um familiar num quarto de uma residência de terceira idade, e suportarem a pestilência dos cheiros que aqui temos?".
E dizia ainda: "Não será a pressa de um arado para tentar cobrir o esterco espalhado que vai colmatar e fazer esquecer a falta de sensibilidade de quem o fez, só nele pensando, ano após ano, sem se preocupar com uma alternativa, espalhando pelos outros aquilo que já nem sente”.
Segundo o Jornal da Mealhada pode apurar, na manhã de segunda-feira, agentes da Brigada do Ambiente da GNR da Mealhada estiveram no local de onde, alegadamente, provém o mau cheiro. Contudo, nada fizeram porque a lei permite aos agricultores este tipo de procedimentos: que espalhem o estrume e lavrem o terreno, algum tempo depois. “Os agentes disseram que o azar que se está a ter é o facto de estar calor e um pouco de vento espalha o cheiro por muitos sítios e mais facilmente”, afirmou ao Jornal da Mealhada, um cidadão que assistiu à visita, mas que não quis identificar-se. Também José Felgueiras garantiu: “Na segunda-feira, recebi um telefonema para me deslocar à Quinta da Tapada para resolver uma situação e, acidentalmente, encontrei lá o proprietário da pocilga, que me assegurou que lá tinha estado, nessa manhã, um agente ligado ao ambiente, a fim de verificar a situação. Contudo, garantiu-lhe que tudo estava a ser feito correctamente. Para terminar, pergunto: e agora?”.

                                                               Mónica Sofia Lopes

Texto publicado na edição impressa do Jornal da Mealhada de 11 de junho de 2008.

domingo, 16 de setembro de 2012

...Emigrantes do concelho da Mealhada...



“A França é só uma máquina de fazer dinheiro. Os sentimentos estão aqui em Portugal”, afirmou António Rodrigues.

Apesar de acontecer em várias épocas, ao longo de todo o ano, é no mês de Agosto que a presença de emigrantes é mais notada por todo o país. Também no concelho da Mealhada, isso se nota com mais intensidade. A repórter do Jornal da Mealhada falou, nessa altura, com alguns dos emigrantes, de várias freguesias do concelho, que na maioria escolheram a França para refazerem as suas vidas. Apesar de para muitos o estrangeiro ser uma maneira mais vantajosa de ganhar dinheiro, mas Portugal continuar a ser o país para regressarem e usufruir desses bens, para outros, os países onde estão são já os seus locais de eleição para residir, que não trocavam por nenhum outro.
“Estou em Ontário, no Canadá, desde 1971. Vim a Portugal passar o mês de Agosto, mas estou desiludido porque este país está cada vez pior. Está tudo muito mais caro e há, cada vez, menos segurança”, começou por dizer António Santos, proveniente do lugar de Mala. António Santos ainda acrescentou: “Lá vamos a um hospital e não pagamos nada. Aqui a minha esposa foi duas vezes ao médico e pagámos um dinheirão, para nada”.
“Vim cá com a minha esposa passar férias. Vivo em França há quarenta anos, com a minha família toda e quero ficar lá para sempre. Já não quero voltar. Até tenho a minha casa em Casal Comba à venda. Quando eu chego cá, gosto, mas não tenho saudades disto. Até a minha mãe ser viva ainda venho cá de vez em quando, mas depois não. Há muita violência aqui”, garantiu Júlio Romano, que já está reformado há dez anos. “É bom regressar aqui, relembrar o nosso cantinho, mas ficar para sempre seria complicado”, acrescentou José Almeida, da Lendiosa, que está em França há trinta e oito anos.
 “Todos os anos venho cá desde que estou na França. Estou lá para ganhar o meu dinheiro, mas Portugal está no meu coração a cem por cento. Em breve, venho para ficar para sempre!”, afirmou Adelino Fidalgo, que passou cinco semanas de férias no lugar de Mala. João Ferreira, da Pedrulha, que está na Suíça há dezasseis anos, concordou: “Penso voltar ao meu país, até porque a minha terra é sempre a minha terra, mas neste momento, estou lá bem. Com vinte e um anos de idade, fui procurar uma vida melhor e encontrei”.Gosto de lá estar, mas a França é só uma máquina de fazer dinheiro. Os sentimentos estão aqui em Portugal”, enfatizou António Rodrigues, da Pampilhosa, que está, há apenas dois anos, em França.
Questionados se nos países onde estão é ensinado a língua portuguesa, António Santos, que está no Canadá, garantiu: “Os meus filhos andaram na escola portuguesa há anos, e, hoje, andam os netos, mas nós é que pagamos essas aulas. Antigamente, era o Governo português que pagava isso, mas deixaram de o fazer”. “Por exemplo, o meu filho até à quarta classe estudou numa escola portuguesa. Mas hoje em dia, onde estou já não há escola portuguesa”, acrescentou Adelino Fidalgo, que está na França. Júlio Romano, que também reside neste país, explicou: “Onde estou não há escolas portuguesas, mas em minha casa falou-se sempre o português”. João Ferreira garantiu: “Temos escolas portuguesas, em centros de convívio e em centros de catequese”. “Eu frequentei uma escola portuguesa durante quatro anos e lá sou cabeleireira”, afirmou Marylene Alves, filha de emigrantes provenientes do São Romão, que nasceu em França há trinta e quatro anos.
Sobre o sentimento que os habitantes de outros países têm de Portugal, a opinião é unânime, o clima e a gastronomia são as características que mais os aliciam. “Os canadianos gostam muito de Portugal, porque lá têm um clima péssimo. Também gostam muito da nossa gastronomia”, garantiu António Santos. “Todos os franceses que conheço falam bem de Portugal. O meu genro, por exemplo, que é francês, adora a gastronomia portuguesa”, acrescentou Adelino Fidalgo. Também José Almeida concordou: “Os franceses gostam muito de Portugal. Dizem que é um país muito acolhedor. O meu médico de família, por exemplo, vem cá todos os anos de férias”.
“A imagem que eles têm de Portugal é a de um país para passar férias. Gostam do povo português e acolhem-nos muito bem lá. A maior parte deles preferem trabalhar com portugueses mais do que com franceses”, ainda disse António Rodrigues, que está em França. “Sou como os franceses, gosto de Portugal apenas para passar férias”, acrescentou Marylene Alves.
António Rodrigues, que está em França há dois anos, foi aquele que mais sentimento de saudade nos demonstrou. “Uma das coisas que me deixa mais saudades é a banda onde actuava, há cerca de quinze anos, a Mini banda São Pedro, da Antes. Queria desejar-lhes boas actuações porque tenho muitas saudades de todos eles”, lamentou.

Mónica Sofia Lopes

sábado, 15 de setembro de 2012

..."Ruídos provocados por estabelecimentos nocturnos incomodam moradores"...



"Só quero que me deixem dormir na minha casa"

Há já alguns anos que os ruídos nocturnos em várias localidades do concelho da Mealhada, devido às horas tardias a que os estabelecimentos comerciais encerram, são alvo de imensas críticas por parte dos moradores que habitam junto a esses estabelecimentos. Nos últimos tempos, queixas por parte de vizinhos, que chegam a estar em “guerra” com os proprietários dos estabelecimentos, têm sido uma constante. Os queixosos culpam os proprietários dos estabelecimentos e estes, por sua vez, culpam as regras internas e a actuação da Câmara Municipal da Mealhada. Os agentes da Guarda Nacional Republicana da Mealhada são também visados em toda esta situação, chegam a fazer viagens infrutíferas por todo o concelho, devido a falsos alarmes que são fruto de chamadas telefónicas de denúncia, efectuadas durante a madrugada. A repórter do Jornal da Mealhada falou com habitantes e proprietários de estabelecimentos nocturnos das localidades de Mealhada, Sernadelo, Luso e Casal Comba – locais onde as queixas, ultimamente, têm sido mais frequentes.

“Vivo nesta casa há trinta anos”, relatou um dos vizinhos, de um café na freguesia de Casal Comba, que se considera prejudicado que prosseguiu: “Há cerca de uma dúzia de anos construíram, aqui próximo, um café. Nunca houve problemas absolutamente nenhuns, nem de convivência, nem de ruídos. Entretanto, em Outubro passado, o café mudou de gerência e os novos responsáveis promoveram uma mudança radical das minhas condições de vida. Para além do barulho perturbador dos clientes a sair do café a horas tardias, ainda promovem, periodicamente, festas que tornam o meu descanso, e o das pessoas que estão em minha casa, completamente impossível. Imagine-se o que é ter música em alto volume até às cinco da madrugada”, prosseguiu, “Não estou preocupado com o que fazem lá dentro. Só quero que me deixem dormir, tranquilamente, na minha casa!”.
Contactado pelo Jornal da Mealhada, outro morador, vizinho de um outro estabelecimento em Sernadelo, declarou: “Trata-se de um estabelecimento que foi, recentemente, construído para ser um café, para venda de bebidas e produtos alimentares. No entanto, regularmente, os proprietários insistem em transformá-lo numa discoteca. Junto da Câmara devem pedir licença para fazer karaoke, mas a verdade é que a música que é ouvida é de discoteca. O local não tem insonorização suficiente e o nosso descanso é impossível. Quando alguém abre a porta do estabelecimento, então aí é como se tivesse a cama no meio de uma discoteca. É uma loucura!”.
“Se a ASAE é tão rigorosa com tantas coisas, como é possível que permita que bares e snack-bares, vocacionados para um tipo de comércio, de repente, possam
fazer passar-se por discotecas? Os próprios donos de discotecas deveriam sentir-se revoltados com a situação. Esses bares não estão licenciados nem reúnem condições para fazer essas festas que a Câmara diz serem ocasionais, mas sempre gostava de saber o que aconteceria se estivessem localizados à porta dos senhores vereadores”, prossegue um dos queixosos de falta de condições para fruição do seu descanso.
O rol das queixas não termina e relativamente a outro estabelecimento foi dito: “O barulho torna-se insuportável. Chamamos os agentes da GNR, mas não sei o que se passa, se alguém avisa o proprietário do bar, mas a verdade é que o som fica logo mais baixo. Desta forma, os agentes quando cá chegam, nunca são confrontados com os barulhos e torna-se impossível apresentar queixa”.
 Os proprietários dos estabelecimentos que contactámos, confrontados com as queixas, defenderam-se: “Nunca paguei uma única multa porque a GNR vem cá e não consta que haja barulho”. “As pessoas antes de se queixarem deviam pensar que há famílias inteiras que dependem destes negócios”, afirma um dos proprietários. “Há, também, concorrência desleal, existem sítios sem condições nenhumas, que não estão dentro da lei, e que estão sempre a fazer festas. Até garagens servem de cafés e, desta forma, prejudicam os estabelecimentos que pagam os impostos e que trabalham dentro da legalidade”, lamenta um dos proprietários. Outro acrescenta: “A solução poderia ser a própria Câmara arranjar uma zona só para se concentrarem os bares de todo o concelho. Acabavam-se os problemas dos gerentes dos bares, mas também os dos moradores”.
A Câmara Municipal da Mealhada, segundo afirmou a vice-presidente, Filomena Pinheiro, está ao corrente da situação. Confirmou que, na realidade, já houve lugar a coimas infligidas aos proprietários de alguns estabelecimentos nocturnos por não cumpriram as leis do Regulamento Geral do Ruído. “Deram entrada na Câmara alguns autos de contra-ordenação passados pela GNR, que mereceram o devido tratamento”, garantiu Filomena Pinheiro.
“O problema é que os estabelecimentos promovem festas, como por exemplo, karaokes, que provocam muito barulho e que duram até fora das horas permitidas do encerramento dos estabelecimentos. Depois, quando encerram, os clientes veêm para a rua e ainda fazem mais barulho, ouvem-se vozes altas e barulhos dos carros a trabalhar. Já tive que me aborrecer e chamar os agentes da GNR, que depois encaminham a situação para a Câmara, mas que de nada serve. Não percebo bem estas leis”, lamentou um dos moradores contactados. Paulo Serra, capitão do destacamento da GNR de Anadia, explicou: “O que verificamos é que muitas vezes, o ruído não é proveniente do interior, mas sim do exterior dos estabelecimentos e a lei portuguesa, a este respeito, não é muito clara no que toca a mandar calar uma pessoa quando esta se encontra na rua”.
Apesar do incómodo que as festas realizadas nos estabelecimentos nocturnos causam nos moradores das habitações, são passadas licenças, por parte da Câmara Municipal da Mealhada, que permitem que as tais festas, acontecimentos ditos ocasionais, se possam realizar, contudo, é também esta entidade municipal que se responsabiliza por aplicar as respectivas coimas. “Quando faço uma festa, no meu estabelecimento, tenho de adquirir duas licenças, uma de ruídos e outra de espectáculo, e pago cerca de setenta euros por estas licenças, de cada vez. Depois, o mais engraçado, é que também é a própria a Câmara que estabelece as coimas das multas. Ou a Câmara passa as licenças e se responsabiliza por isso, ou então, é preferível não haver festas para ninguém”, lamenta um dos proprietários com quem falámos. “No alvará que a Câmara passa, que permite que nós possamos realizar festas, há uma nota que diz que temos que preservar a qualidade de vida das pessoas que vivem à volta. É uma forma subtil de a Câmara salvaguardar sempre a sua parte e ficar bem com todos”, acrescenta outro proprietário. “Todas as licenças passadas têm como condição o cumprimento do Regulamento Geral do Ruído. Há, no entanto, estabelecimentos licenciados há muitos anos, à luz de leis diferentes, com diferentes graus de exigência. E, refira-se também, que estamos a falar de licenças acidentais, para acontecimentos esporádicos”, explicou Filomena Pinheiro. “Mas para que servem essas licenças que pagamos? Pagamos impostos, pagamos uma renda à Câmara pelo espaço e depois ainda pagamos licenças que podem resultar em coimas”, questiona um dos proprietários.
“Vivo num apartamento e na urbanização onde estou
inserido já quiseram que assinasse uma petição para terminar com estes barulhos intensos vindos de um estabelecimento que realiza quase todos os fins-de-semana festas nocturnas. Não sei o que se seguiu a isso”, afirmou um morador de um apartamento na Mealhada. O proprietário do estabelecimento em causa defende-se: “Por achar que o meu estabelecimento, que fica junto a vários lotes de apartamentos, poderia incomodar os vários moradores que ali residem, um dia, fiz passar uma petição para ter noção do que realmente os incomodava. Foram muito poucos os que assinaram e aqueles que o fizeram, por mais estranho que pareça, são os que vivem na rua contrária ao estabelecimento. Se realmente o barulho os incómoda deveriam assumi-lo para que se possa arranjar uma solução”.
Há, no entanto, diferentes exemplos de abordagem dos queixosos: “Manifestei-me, em primeiro lugar, aos gerentes do estabelecimento, comunicando-lhes o meu incómodo. Nem a decência tiveram de me responder. Senti-me obrigado a, nas situações seguintes, fazer queixa à GNR e queixar-me por escrito à Câmara Municipal. Estabeleci, até, contacto directo com responsáveis municipais. No entanto nada mudou. As licenças continuam a ser passadas como se nunca me tivesse queixado”.
Se os moradores se queixam dos proprietários dos estabelecimentos, há também empresários que se queixam dos moradores. Acusações de promoverem autênticas “birras” diárias que, segundo dizem, provocam mal-estar não só nos clientes, mas também nos agentes da GNR, que chegam a ter que se deslocar numa só noite, duas e três vezes ao mesmo local, que, na maior parte das vezes, e segundo alguns proprietários, resultam em falsos alarmes. “Não fica bem ao estabelecimento ter sempre a presença de agentes da GNR, cada vez que há uma festa e o ambiente até está agradável. Os clientes não se sentem bem com isso, obviamente”, explica um dos proprietários, que também lamenta: “Em vez de ajudarem a cativar as pessoas para se divertirem no concelho e não terem que ir para Coimbra ou Aveiro, fazem tudo ao contrário e espantam-nos”.
“No meu estabelecimento a situação foi mais longe e até tenho na minha posse relatórios da GNR, que provam que as centenas de chamadas telefónicas que foram feitas, a fazerem queixas dos barulhos do meu estabelecimento, são falsos alarmes e numa delas os agentes da GNR até estavam no local”, desabafa um outro gerente de um estabelecimento.
Paulo Serra considera: “Realmente, é muito aborrecido sermos chamados com alguma frequência ao mesmo local, na mesma noite, mas também não podemos fazer nada porque se somos solicitados, temos que nos ir certificar se de facto os ruídos estão acontecer”. E perante falsos alarmes, perguntámos. “A solução é mesmo vir embora”, afirma o capitão da GNR.
Quais são os limites que os estabelecimentos comerciais não devem ultrapassar para que não lhes seja passada coima? “São os estabelecidos na lei, cabendo a fiscalização à GNR”, respondeu Filomena Pinheiro. “Perante uma chamada de um queixoso e se o ruído for comprovado de facto, o que podemos fazer é passar um auto de contra-ordenação que remetemos para a Câmara Municipal. Nestes casos, apenas podemos dar a conhecer às entidades competentes e responsáveis pelas coimas”, explicou o capitão Paulo Serra. Como se comprova, de facto, a existência de ruído, foi resposta que não conseguimos apurar nem da parte da Cãmara, nem da parte da GNR.
“Penso que não se trata de um problema alarmante, contudo, é no centro da cidade da Mealhada que o assunto se torna mais visível e mais preocupante”, garantiu o capitão do destacamento da GNR de Anadia.
Ouvidos os argumentos dos moradores, as respostas dos proprietários, a avaliação da GNR e o modo de actuação da Câmara Municipal da Mealhada parece haver uma garantia: Não estará para breve a solução dos muitos conflitos resultantes do licenciamento de festas e de animação nocturna. Os proprietários, segundo pudemos apurar, não estão dispostos a abdicar do retorno do seu investimento. Da parte dos moradores queixosos também não parece haver lugar a tréguas: “Tenho mesmo de fazer algo para resolver a situação. Não estou a pensar desfazer-me da minha habitação, mas também não vou abdicar do meu descanso! Farei tudo o que estiver ao meu alcance para dar continuidade ao prazer que tinha de viver na casa que construí”.                     

Texto de Mónica Sofia Lopes
Fotografia de Ricardo Almeida

Reportagem publicada na edição impressa do Jornal da Mealhada de 23 de abril de 2008.